LUÍS MIRA AMARAL

A DESVALORIZAÇÃO FISCAL

 

Há dois anos discutíamos no Fórum para a Competitividade a desvalorização fiscal (fiscal devaluation, que no rigor da tradução devia ser desvalorização orçamental), na base dum excelente paper feito pela Universidade Nova. A ideia era reduzir as contribuições patronais para a Segurança Social (TSU), o que faria diminuir os custos salariais sem baixar os salários, compensando essa redução na receita através dum aumento do IVA a ser afeto à Segurança Social, o que levaria a uma redução de consumo e, indiretamente, das importações. Isto teria efeitos semelhantes às conhecidas desvalorizações do escudo que estimulavam as exportações e reduziam as importações. Na altura, o défice externo era 10% do PIB! Na Dinamarca não há contribuição patronal para a Segurança Social. Tal é feito pelo IVA social. Já então tínhamos consciência de que isto deveria ser feito apenas para os bens transacionáveis, nos quais se incluem as empresas exportadoras. As regras comunitárias poderiam não aceitar essa discriminação. Se assim fosse, seria necessário introduzir um forte controlo dos preços e a sua redução em grandes empresas dos não transacionáveis, para que elas, instaladas no mercado doméstico, não aumentassem as margens de lucro. Eduardo Catroga, em nome do PSD, introduziu o tema na troika contra a vontade do então Governo PS… Entretanto, o IVA foi sendo aumentado, não para, em nome da competitividade, financiar a redução da TSU, mas sim para tapar os buracos públicos… O novo Governo PSD-CDS/PP não implementou a desvalorização fiscal que a troika queria e o PSD tinha sugerido…Como antecipei, o Governo ia falhar a meta do défice público e apresentar-se-ia à troika sem um plano B… Percebe-se que esta acaba por impor agora a desvalorização fiscal para todas as empresas, só que à custa do financiamento pelos trabalhadores na sua contribuição para a TSU. Mas neste momento, a balança corrente com o exterior já está quase em equilíbrio… Mesmo que não vá criar empregos, a medida pode ser positiva para as empresas exportadoras e para aliviar a asfixia da tesouraria de muitas PME, reduzindo a destruição de emprego e dando alguma folga à competitividade. Contudo, nas PME expostas ao mercado doméstico, a redução do consumo provocado pelo aumento dos impostos sobre os trabalhadores poderá afetar a sua eficácia. Mas a medida é chocante para as grandes empresas como a PT e a EDP, que verão as suas confortáveis margens aumentar através do financiamento dos trabalhadores. E, obviamente, não é aceitável que isto seja feito à custa do financiamento pelos trabalhadores. Em suma, uma medida que poderia ter sido vendida num pacote de competitividade e crescimento, em conjunto com incentivos fiscais ao investimento e à criação de empresas, é de forma politicamente infeliz metida num pacote de austeridade. Mas a questão de fundo mantém-se: não é sustentável este nível de despesa pública, pois não se conseguem sacar mais impostos desta economia moribunda…