LUÍS LOPES PEREIRA

TEMPO DE CORAGEM NA SAÚDE

O SNS assume um papel primordial no sistema de saúde, mas nunca conseguiu oferecer sozinho a universalidade do acesso aos cuidados de saúde. O sistema tem de ser mais abrangente tanto no financiamento como na oferta e não se pode reduzir apenas ao serviço público chamando outros setores para melhorarmos a saúde de toda a população.

Para alterar o estado da saúde em Portugal precisamos de políticos corajosos que consigam envolver todos os intervenientes da saúde num clima de mudança positiva ajustada aos recursos que temos. Não podemos romper com o passado, pois há um legado positivo que devemos manter e melhorar, mas também não devemos construir um castelo que poderá ruir se a economia do país não puder acompanhar a sua construção. Os recursos de que dispomos atualmente, além de serem otimizados, precisam de compromissos e de coragem no ponto de vista da decisão de gestão. Precisamos de muita coragem. A coragem não se compra, não é uma força física, é algo que é comum aos que tentam mudar o rumo e derrubar muros de preconceitos e medos.

Para os filósofos da antiga Grécia a base das emoções está no coração, e coragem significa a ação do coração. Com o coração podemos enfrentar os perigos do mundo. Mas, ao mesmo tempo, esta força precisa ser controlada pela razão. O excesso da força do coração converte-se em cólera e a falta de força no coração cria o medo.

Este equilíbrio de forças é necessário para negociar com os profissionais de saúde, com quem ainda não se conseguiu uma solução equilibrada, é preciso para corrigir situações de desperdício de recursos ou processos desadequados. É necessária muita coragem para mudar a maneira de fazer as coisas, para convencer ou mesmo afastar os que usam as velhas máximas “mas foi sempre assim”, quando sabemos que nunca resultou, ou “precisamos de mais gente para isso”, quando sabemos que não há mais gente para isso. Precisamos de coragem para todos nos convencermos que somos capazes de fazer mais e melhor sem esperar que nos digam como, nem esperar que nos prometam o céu.

Estou convencido que a nossa ministra da Saúde tem essa coragem, bem temperada pela razão, e também estou convencido que este tempero existe na sua equipa. O que mais desejo é que a coragem que a equipa ministerial demonstra ter seja inspiradora para todos nós e se torne numa cultura de construção pela positiva, com mais acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, com mais fornecedores a introduzirem inovação em igualdade de circunstâncias, garantindo mais valor para o nosso sistema, com mais incentivos para a investigação na saúde e com mais condições para incrementar o investimento no setor da saúde. É preciso coragem para parar os processos de compra apenas baseados no preço, substituindo por escolhas baseadas na qualidade e nas propostas que são economicamente mais vantajosas para o sistema de saúde.

Mas nem tudo depende da coragem da nossa ministra da Saúde. Há que ter coragem para desburocratizar todo o sistema que está a obstaculizar os projetos hospitalares que poderiam estar já a ser executados e cujo financiamento pelo PRR poderá ser desperdiçado por não haver uma decisão atempada. É muito frustrante para quem gastou tanto tempo a planear, a projetar e a acreditar.

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