O DOGMA DA SAÚDE – Esta crise pandémica tem trazido para o debate político uma discussão mais ideológica da saúde. As presidenciais foram aproveitadas por alguns partidos e alguns candidatos para se autopromoverem, o que levou inevitavelmente a uma discussão não própria de eleições presidenciais, talvez por termos um candidato ganhador à partida, ou seja uma discussão mais programática, política e ideológica do que vincada às responsabilidades de um Presidente da República.
O motivo da saúde foi inevitável, indo ao ponto de se pôr o dogma do SNS em causa, enquanto serviço, mas não enquanto sistema. Chamo-lhe dogma, porque em todos os setores partidários existe a ideia de que o SNS é eficaz e essencial enquanto prestador, pondo em causa preços exigidos por prestadores privados, sem sabermos quais os custos que suportamos no setor público. A universalidade do acesso à saúde não é apenas garantida por prestadores de saúde, vulgo hospitais, clínicas e centros de saúde, mas sim por um sistema que conheça todo o potencial do país, que saiba motivar a procura e a oferta de forma a garantir o equilíbrio e a equidade para todos.
Nos Estados Unidos da América a discussão ideológica da universalidade do acesso e do financiamento à saúde começou a ser intensamente discutida na presidência Clinton, assumiu o seu auge com o chamado Obama Care e continuou com a presidência Trump. Nesse país é o próprio sistema que está em discussão pois, como sabemos, os EUA estão longe de ter garantido o acesso universal e um sistema nacional de saúde. Uma discussão similar observa-se hoje em Portugal noutra dimensão, a do Serviço Nacional de Saúde. Esta temática leva-nos a um paralelismo: os cidadãos que se identificam mais com a esquerda tendem a valorizar o sistema de saúde e os seus prestadores no lado público, enquanto os que se identificam à direita quando muito concordam com o sistema mas valorizam mais a capacidade de escolha e a prestação privada. Mas a conclusão que se tira de vários artigos que li e da minha experiência no setor, é que muitas decisões sobre o sistema de saúde são sempre tomadas politicamente, independentemente de um pragmatismo sobre afetação de recursos e outcomes clínicos dos prestadores públicos e privados. As decisões políticas, muitas vezes ideológicas, são tomadas seguindo ou influenciando a perceção que os cidadãos vão tendo sobre os sistemas de saúde.
O que as presidenciais trouxeram para o debate foi a verificação de que se continua a ter uma ideia dogmática da saúde, mas, perante a discussão, verificamos que temos de medir mais os recursos e os resultados dos procedimentos efetuados pelos prestadores para avaliarmos o que queremos para o futuro. Por outras palavras, temos de reconhecer que a Saúde é um setor tão económico como outro qualquer, que tem regras e ética próprias a serem cumpridas e fiscalizadas, mas temos de definir que recursos deverão ser afetados, qual o verdadeiro papel e vocação do Estado neste campo e, por outro lado, qual a responsabilidade do setor empresarial, quando sabemos que a produtividade é proporcional à saúde de uma população.