LUÍS LOPES PEREIRA

O SISTEMA PRIVADO DO SETOR PÚBLICO –

Muitas vezes as opiniões dividem-se por não terem na sua origem os mesmos princípios ou por não partirem de dados concretos e consensuais. Ou até por se formarem a partir de princípios ou preferências de índole mais emocional ou ideológica. Creio que a sociedade portuguesa precisa de mais consensos na saúde, com estratégias baseadas nos recursos que temos. Leio e ouço opiniões que acusam os grupos privados de saúde de viverem à custa da ADSE. Ora os grupos privados desenvolveram-se porque existia a ADSE, e não foi esta que foi criada para alimentar os grupos privados, o que seria de facto bastante criticável. Um dia que a ADSE desapareça ou deixe de fornecer alguns serviços, os privados terão que se adaptar e desinvestir, numa lógica pura de mercado, obviamente. Se há abusos ou diferenças nos pagamentos, certamente esses campos terão de ser discutidos e negociados entre as partes, no plano ético e de gestão dura e crua. Não é um assunto para se resolver na praça pública, pois só as instituições em causa, prestadores e financiadores, poderão negociar um entendimento. Ou resolver os problemas nos tribunais, que existem para isso. Como estão a procurar consensos, merecem a nossa confiança. A história diz-nos que os primeiros sistemas de saúde foram privados. O primeiro terá sido o da CUF para os seus funcionários, outros foram confinados a algumas classes profissionais do setor público, como a ADSE para os funcionários públicos e os subsistemas para forças militares. Sempre foram sistemas de saúde financiados pelas organizações públicas ou cofinanciados entre essas organizações e os seus beneficiários. Todas elas receberam os cuidados de hospitais, clínicas, laboratórios e consultórios privados ou geridos com uma lógica privada. Este setor privado foi desenvolvendo a sua oferta respondendo à procura que foi criada.
Os funcionários públicos nunca prescindiram da ADSE, por muito privada que fosse, mesmo depois da criação do SNS. Os diferentes governos foram admitindo que o SNS não consegue satisfazer e compensar o serviço prestado pela ADSE e pelos seus fornecedores privados. Por isso, durante décadas, resolveram subsidiar a ADSE por esta organização aliviar o fluxo de doentes para os hospitais e centros de saúde do SNS, permitindo assim haver melhor resposta para quem nunca tinha tido antes qualquer apoio na saúde. Mais recentemente passaram toda a despesa para o lado dos funcionários públicos e foi então que se assistiu ao primeiro êxodo de beneficiários da ADSE. Mesmo assim creio que a grande maioria permanece como beneficiária.
Anuncia-se agora a morte da ADSE. Com o êxodo, com o número de funcionários públicos a diminuir e com o congelamento salarial nos últimos anos, é natural que o sistema corra riscos de falir. Mas será que hoje o SNS está já capacitado para fornecer os serviços que a ADSE fornece e receber todos os seus beneficiários? Parece ser claro que não. Se no SNS as listas de espera estão como estão, se a desmotivação dos profissionais de saúde se encontra nos níveis mais baixos de sempre, se a lotação hospitalar está a abarrotar, será que a medida de acabar com a ADSE é exequível? Muitos especialistas têm analisado a hipótese de transformar a ADSE numa instituição também aberta às empresas privadas. Não sei se seria uma solução. Mas num país em que 40% da saúde já é paga diretamente pelos cidadãos, parece-me que a participação das empresas no seu financiamento é inevitável, de forma a tornar a saúde mais sustentável. Isso implica a existência de mais seguros ou de sistemas parecidos com a ADSE e de todos os hospitais existentes poderem dar resposta às necessidades dos cidadãos. A saúde precisa de mais consensos e de mais racionalidade.