Os efeitos da crise económica (que nos preocupa há mais de uma década) na saúde pública já eram evidentes no final de 2013, particularmente nos países com maior recessão, Portugal, Grécia e Espanha. Antes, a Islândia, o primeiro a sentir a recessão, optou por não fazer incidir a austeridade na saúde, setor que passou ileso nesse país. Políticas de austeridade baseadas em cortes e centralização nos custos têm resultado em menos acesso dos doentes à saúde pública e na maior participação das famílias na cobertura desses custos. O impacto variou de país para país, atingindo resultados diferentes e essa análise será importante no futuro para um melhor entendimento do impacto da economia na saúde. Seria conveniente que os especialistas nesta área fossem mais proativos neste estudo e a discussão destes temas tivesse maior evidência científica. Os cortes dramáticos na despesa em saúde na Grécia, exigidos pela troika, consolidaram-se na redução de 150 mil postos de trabalho, no limite de 6% do PIB para gastos na saúde pública e em cortes radicais nos preços e nos orçamentos hospitalares que chegaram a 40%! Como resultado a corrupção na saúde aumentou, houve produtos farmacêuticos que entraram em rutura de stocks, as dívidas aos armazenistas acumularam até o ministro das Finanças ter conseguido inverter este problema. A população grega não conseguiu acompanhar os preços dos hospitais privados e considerou, em inquérito, que o estado da sua saúde estava mau ou muito mau (tempos de espera muito altos e falta de acesso a tratamentos). Em Espanha, a crise económica fez-se sentir na saúde pelo aumento significativo da prevalência de desordens na saúde mental, tais como ansiedade, humor e depressão. Este aumento esteve intimamente ligado ao aumento do desemprego. Um novo decreto real, em 2012, alterou a cobertura do SNS universal para um sistema baseado no emprego, significando com isto que centenas de milhares de imigrantes ilegais vissem o seu acesso limitado a urgências, maternidade e pediatria. Portugal seguiu um caminho semelhante ao da Grécia, por imposição da troika. Os copagamentos dos cuidados primários, secundários e de urgência subiram exponencialmente, mais de 100%. Estas medidas tiveram como intenção a redução do número de recursos inapropriados à urgência, incentivando o recurso aos cuidados primários, mas mais de 15% da população continuava sem médico de família no final de 2013. Não foi tão acutilante o corte dos orçamentos hospitalares embora tivesse sido bastante significativo. Honra seja feita a todos os intervenientes na saúde, autoridades, prestadores, profissionais e fornecedores, que juntos conseguiram minimizar “os estragos” da austeridade. Mesmo assim notou-se menos acesso à inovação, regressão em certas especialidades, desmotivação dos profissionais e aumento preocupante de algumas listas de espera. Alguns profissionais de saúde alegam que esta situação fez incrementar o número de mortes, mas os números são contestados. Ao contrário da Grécia, o mercado privado soube encontrar eficiências e crescer significativamente, aproveitando oportunidades criadas pelo setor público. Um breve comentário à Islândia, onde a presidente recusou assinar um acordo feito pelo Governo e pelo FMI, onde cerca de 50% do PIB seria dedicado a pagar a dívida aos governos inglês e holandês. Apesar das ameaças destes países, o povo islandês, que em referendo chumbou o acordo com uma expressiva margem de 93%, obrigou os credores dos bancos a pagar a dívida e optou por mudar de hábitos, ajustando-se à mudança. A fast food foi substituída por alimentação mais saudável, o consumo de peixe e a atividade culinária caseira aumentaram. O Governo reforçou os investimentos em segurança social e, no final da crise, nem a saúde nem o nível de felicidade nacionais sofreram qualquer impacto provindo da crise económico-financeira. As diferenças das estruturas económicas dos países tornam incomparáveis as medidas que cada país seguiu neste setor, mas devemos entender e analisar o que se passa noutros países para melhor governar o nosso. Compete a todos nós, nesta altura, considerarmos que a tempestade passou e que vamos continuar a investir em saúde, pois sem ela a prosperidade não encontra lugar neste cantinho à beira-mar plantado.