LUÍS LOPES PEREIRA

001 (26)AUSTERIDADE E SAÚDE

Os efeitos da crise económica (que nos preocupa há mais de uma década) na saúde pública já eram evidentes no final de 2013, particularmente nos países com maior recessão, Portugal, Grécia e Espanha. Antes, a Islândia, o primeiro a sentir a recessão, optou por não fazer incidir a austeridade na saúde, setor que passou ileso nesse país. Políticas de austeridade baseadas em cortes e centralização nos custos têm resultado em menos acesso dos doentes à saúde pública e na maior participação das famílias na cobertura desses custos. O impacto variou de país para país, atingindo resultados diferentes e essa análise será importante no futuro para um melhor entendimento do impacto da economia na saúde. Seria conveniente que os especialistas nesta área fossem mais proativos neste estudo e a discussão destes temas tivesse maior evidência científica. Os cortes dramáticos na despesa em saúde na Grécia, exigidos pela troika, consolidaram-se na redução de 150 mil postos de trabalho, no limite de 6% do PIB para gastos na saúde pública e em cortes radicais nos preços e nos orçamentos hospitalares que chegaram a 40%! Como resultado a corrupção na saúde aumentou, houve produtos farmacêuticos que entraram em rutura de stocks, as dívidas aos armazenistas acumularam até o ministro das Finanças ter conseguido inverter este problema. A população grega não conseguiu acompanhar os preços dos hospitais privados e considerou, em inquérito, que o estado da sua saúde estava mau ou muito mau (tempos de espera muito altos e falta de acesso a tratamentos). Em Espanha, a crise económica fez-se sentir na saúde pelo aumento significativo da prevalência de desordens na saúde mental, tais como ansiedade, humor e depressão. Este aumento esteve intimamente ligado ao aumento do desemprego. Um novo decreto real, em 2012, alterou a cobertura do SNS universal para um sistema baseado no emprego, significando com isto que centenas de milhares de imigrantes ilegais vissem o seu acesso limitado a urgências, maternidade e pediatria. Portugal seguiu um caminho semelhante ao da Grécia, por imposição da troika. Os copagamentos dos cuidados primários, secundários e de urgência subiram exponencialmente, mais de 100%. Estas medidas tiveram como intenção a redução do número de recursos inapropriados à urgência, incentivando o recurso aos cuidados primários, mas mais de 15% da população continuava sem médico de família no final de 2013. Não foi tão acutilante o corte dos orçamentos hospitalares embora tivesse sido bastante significativo. Honra seja feita a todos os intervenientes na saúde, autoridades, prestadores, profissionais e fornecedores, que juntos conseguiram minimizar “os estragos” da austeridade. Mesmo assim notou-se menos acesso à inovação, regressão em certas especialidades, desmotivação dos profissionais e aumento preocupante de algumas listas de espera. Alguns profissionais de saúde alegam que esta situação fez incrementar o número de mortes, mas os números são contestados. Ao contrário da Grécia, o mercado privado soube encontrar eficiências e crescer significativamente, aproveitando oportunidades criadas pelo setor público. Um breve comentário à Islândia, onde a presidente recusou assinar um acordo feito pelo Governo e pelo FMI, onde cerca de 50% do PIB seria dedicado a pagar a dívida aos governos inglês e holandês. Apesar das ameaças destes países, o povo islandês, que em referendo chumbou o acordo com uma expressiva margem de 93%, obrigou os credores dos bancos a pagar a dívida e optou por mudar de hábitos, ajustando-se à mudança. A fast food foi substituída por alimentação mais saudável, o consumo de peixe e a atividade culinária caseira aumentaram. O Governo reforçou os investimentos em segurança social e, no final da crise, nem a saúde nem o nível de felicidade nacionais sofreram qualquer impacto provindo da crise económico-financeira. As diferenças das estruturas económicas dos países tornam incomparáveis as medidas que cada país seguiu neste setor, mas devemos entender e analisar o que se passa noutros países para melhor governar o nosso. Compete a todos nós, nesta altura, considerarmos que a tempestade passou e que vamos continuar a investir em saúde, pois sem ela a prosperidade não encontra lugar neste cantinho à beira-mar plantado.