JOSÉ MANUEL CONSTANTINO

DIREITO A MAIS e doutrina a menos. O Desporto e o Direito sempre mantiveram relações de grande proximidade. A competição desportiva estrutura-se na presença de algo comum a todas as sociedades juridicamente organizadas e reguladas: a norma. A necessidade de regulação dos sistemas desportivos e dos seus agentes, acompanhando o que tem sido o desenvolvimento social do fenómeno desportivo, criou o que passou a reconhecer-se como uma “disciplina” do Direito e a designar-se como o Direito do Desporto. Um acervo muito significativo, quer no plano legislativo, quer no domínio da jurisprudência, confirma esta importância. As relações entre o Desporto e o Direito sendo próximas, nunca foram fáceis. Esse grau de dificuldade tem aumentado. Desde logo, porque o desporto se tem desenvolvido mais rapidamente que os seus sistemas de normativização, colocando questões, as quais, por insuficientemente amadurecidas, nem sempre têm as melhores respostas no plano da produção normativa. Mas, também, porque as sociedades democráticas são sociedades invadidas por múltiplas e distintas normas que coabitam em “tensão permanente”, normas com origem na iniciativa de entidades públicas, com normas que, exercendo importantes funções reguladoras, têm outro tipo de origens. 

Resposta normativa – A resposta normativa revela-se cada vez mais difícil e menos duradoura. A norma jurídica tende rapidamente a ser ultrapassada pela própria realidade que visa regular, sendo por isso quase sempre precária ou percecionada pelos principais interessados como precária. O Direito do Desporto configura-se, também por estas razões, como um subsistema jurídico de complexidade crescente, desde logo na fase da sua genética, observando-se que é cada vez mais penosa a tarefa de verter para a lei as opções políticas que visam a preservação dos interesses públicos associados às diferentes práticas desportivas. Nesta área surge facilmente aquilo a que se pode chamar “normas de resposta rápida”, tão criticadas pelos que defendem a qualidade da produção legislativa. O mesmo se passará com outras áreas da vida em sociedade. Mas no Desporto, tal propósito assume características específicas, porque revela em muitas ocasiões desconhecimento da história das organizações desportivas, uma atribulada e frágil conceção sobre o modelo de relacionamento entre o Estado e o movimento associativo desportivo, uma lógica de desenvolvimento desportivo que procura refletir um tempo em que o desporto obedecia a um modelo único. Em Portugal é frequente ouvir-se a crítica da falta de efetividade da norma jurídica desportiva. Dito de outro modo o problema essencial do Direito do Desporto seria a existência de normas que, por falta de vontade política em garantir a sua aplicação, de nada servem. É recorrente esta observação. Mas há que reconhecer que tal crítica é extensível a várias áreas sociais. O que não invalida, porém, a sua pertinência. 

Singularidade jurídica – O Desporto em Portugal sofre de uma singularidade jurídica. Para enquadrar o profissionalismo desportivo (que declarado, no dia de hoje, apenas existe no futebol) num ordenamento legal ajustado às novas tendências e disposições do Direito desportivo na Europa (e, em particular, na União Europeia), todo o tecido desportivo é sujeito a um reordenamento jurídico radical, desajustado da evolução da estrutura e dinâmica das organizações que compõem o sistema desportivo nacional. Esteve sempre presente, de maneira implícita ou explícita, a ideia de que a lei seria o motor do desejado desenvolvimento desportivo do país o que, em suma, valia por dizer que, neste domínio, o Direito não só precedia a realidade como era capaz de conduzi-la e incutir-lhe a qualidade pretendida. O que não evitou a captura pelo Estado do sistema de autorregulação que estava na génese do universo desportivo, e com essa conceção tem-se vindo a desvirtuar e a exaurir recursos das organizações desportivas, transformando-as em entidades burocrático-administrativas, subtraindo o valor que podem acrescentar ao processo de desenvolvimento desportivo, nomeadamente no domínio técnico e de enquadramento competitivo, e afinal, cumprir o seu importante papel tipificado e legitimado pela nossa Lei Fundamental. 

Aperfeiçoamento legislativo – O sistema desportivo, como qualquer outro, carece necessariamente de aperfeiçoamento legislativo. A procura das melhores soluções jurídicas deve ser sempre um propósito indeclinável dos poderes públicos. Uma tal renovação impõe-se não apenas por razões de eficácia jurídica, mas também porque a realidade desportiva está – também ela – em constante mutação. E há problemas novos no Desporto para os quais é preciso encontrar respostas no plano do Direito. Mas não pode haver preocupações legislativas sem pensamento e doutrina políticos, pois a lei não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de regulação para concretizar propósitos e objetivos de política pública, qualquer que ela seja. Sem uma ideia consolidada para o país desportivo e sem a definição de um rumo, a tarefa jurídica desvaloriza a própria lex desportiva. Com a descapitalização do pensamento e a captura do desenvolvimento desportivo numa lógica de fazer por fazer, e de ocupar sem exercer, fomentando o ativismo jurídico como um fim em si mesmo, pelo qual a produção legislativa orienta o processo de prestação de contas, sem cuidar de avaliar o seu impacto nos resultados e objetivos alcançados, nos problemas resolvidos, nos desafios superados, ou, tão simplesmente, na efetiva aplicação e cumprimento das normas, o resultado final não será, certamente, brilhante. 

O desporto português precisa de causas. Mais do que respostas jurídicas formais ou de leis para resolver casos singulares.