DEVER DE PROTEÇÃO – DIABETES E COVID-19. Breve história de uma relação POUCO FELIZ. Desde o dia 2 de março, data em que a ministra da Saúde anunciou os dois primeiros casos de pessoas infetadas em Portugal por SARS-CoV-2 (Covid-19), que a vida mudou, fomos forçados a alterar os nossos hábitos e a normalidade ficou suspensa por tempo indeterminado. E desde aí, passando pelo estado de emergência até ao desconfinamento atual, a diabetes e a Covid-19 andaram sempre lado a lado, numa relação pouco feliz e ainda com bastante por compreender.
A 16 de março anuncia-se a primeira morte no país, de um homem de 80 anos com várias patologias associadas. A 18 de março, o Presidente da República decreta o estado de emergência e, dois dias depois, é publicado o decreto governamental que define as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia. Estre estas medidas, as pessoas com diabetes, por representarem uma população de risco, passam a estar incluídas nos grupos com “dever especial de proteção”.
A 1 de maio, dois dias antes da transição do estado de emergência para a situação de calamidade, o artigo 25-A do Decreto-lei 20/2020 vem determinar que as pessoas imunodeprimidas e com doenças crónicas podem justificar a falta ao trabalho mediante declaração médica “desde que não possam desempenhar a sua atividade em regime de teletrabalho ou através de outras formas de prestação da atividade”. Mas eis que, numa retificação publicada a 5 de maio, o Governo volta atrás e exclui a diabetes e a hipertensão do regime excecional de proteção, sem qualquer fundamentação científica que sustentasse a decisão. Esta, felizmente, é uma questão ultrapassada, pois o diploma foi chamado ao Parlamento e, a 26 de junho, foi aprovada em plenário a alteração que devolveu às pessoas com diabetes e hipertensão o direito de voltarem a estar incluídos nesse regime. No início do mês, também a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP) havia reiterado o apelo ao Governo para que reconsiderasse a exclusão das pessoas com diabetes do regime de teletrabalho, lembrando o risco acrescido destas pessoas face à Covid-19.
Necessidade de apoio continuado – Antecipando as medidas de confinamento em todo o país e as restrições de movimento, mesmo quando a pandemia da Covid-19 ainda estava num estágio inicial em Portugal, a APDP rapidamente reorganizou os seus serviços para garantir que o acompanhamento às pessoas com diabetes não fosse interrompido. Implementou-se um sistema de teleconsultas e criou-se uma linha de atendimento telefónico para prestar aconselhamento especializado a todas as pessoas com diabetes, sem nunca descurar o atendimento presencial a primeiras consultas de diabetes ou consultas da especialidade de oftalmologia e tratamentos de pé diabético. Mas com o país parado, estima-se que entre 10 a 20 mil pessoas com diabetes terão ficado por diagnosticar. A Covid-19 veio destabilizar todos os níveis de cuidados e o apoio continuado que as doenças crónicas exigem. Houve consultas e tratamentos adiados que podem vir a ter desfechos dramáticos num futuro próximo.
Durante o confinamento, foram aparecendo evidências científicas que chegaram de países em estádios mais avançados, confirmando que as pessoas com diabetes são, de facto, uma população de risco, mais vulnerável ao desenvolvimento de complicações graves com a infeção por coronavírus e com um risco de morte três vezes superior ao da população em geral. Por outro lado, os estudos e as evidências científicas também nos demonstraram como um bom controlo da diabetes é fundamental para prevenir o agravamento das complicações da Covid-19.
Telemedicina como alternativa – A 21 de maio o Parlamento aprova as propostas de lei do Governo sobre o processo de desconfinamento. A APDP não parou e vai retomando, aos poucos, a sua atividade normal. Aos utentes com consultas de seguimento é dada a hipótese de escolha entre o presencial e o online. A experiência destes últimos meses provou que, efetivamente, a telemedicina resulta numa boa alternativa e que veio para ficar em alguns casos. O que não pode falhar é o acompanhamento continuado às pessoas com diabetes. Esta nova realidade de vida com a Covid-19 contribuiu para o aumento de muitas ansiedades e de dúvidas relacionadas, quer com a gestão da diabetes, quer com a prevenção da infeção. A complexa gestão da diabetes tornou-se agora mais exigente, perante a necessidade de assegurar continuamente um bom controlo, para que o risco das complicações originadas pela Covid-19 seja o mais próximo possível do da população em geral.
Populações mais desfavorecidas – Entretanto, chegamos ao mês de junho, às portas de julho e, em Portugal, os números não param de aumentar. A Covid-19 atinge, agora, desproporcionalmente, as populações mais desfavorecidas e com maior prevalência de doenças crónicas. A pandemia está a forçar-nos a encarar a realidade de que o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é frágil, pois as populações que se encontravam a caminho de sair da pobreza estão agora mais vulneráveis e em risco de ficar para trás. É tempo de evoluir de uma abordagem universal, que a todos serve, para uma mais centrada nos que apresentam um maior risco, melhorando os cuidados de saúde primários, monitorizando as necessidades sociais e de saúde, envolvendo as pessoas, as estruturas comunitárias locais e as organizações da sociedade civil na resposta à pandemia.