PEQUENOS EQUÍVOCOS SEM IMPORTÂNCIA
O primeiro-ministro português escreveu mais um artigo, desta feita no prestigiado Financial Times, na expressa convicção de que a tenacidade lusa vai provar aos profetas da desgraça que Portugal vai ultrapassar a crise que o país atravessa e regressar aos mercados internacionais ainda em 2013. Os mais eruditos, os mais politicamente atentos e esclarecidos, poderão compreender a necessidade do gesto, do ato. Mas o que representa tal para o mais comum dos portugueses, para aquele que trabalha, que vive hoje num ciclo de sufoco material e emocional para se manter a si e à sua família à “tona de água”? Nada! Assim como nada disseram as palavras de Camões, “e por perigos e guerras esforçadas, mais do que prometia a força humana…”, vagas no seu tempo mas que certamente preencheram sentimentos enaltecidos de orgulho nas gerações vindouras. É toda esta lógica discursiva que começa a parecer cada vez mais perversa, mais irracional e a aumentar cada vez mais a distância entre governantes e governados, entre políticos e cidadãos. Porque enquanto o primeiro- ministro diz que Portugal vai conseguir, o ministro da Saúde diz que agora vai ser proibido fumar nos carros com crianças. Faz sentido e devemos protegê-las, mas será agora uma prioridade política? O SNS está a funcionar em pleno, Portugal não tem problemas nesta área, as despesas com a Saúde estão controladas, portanto faz sentido. Tudo mais será um pequeno equívoco sem importância, como escrevia Tabucchi. A SIC passou uma reportagem confrangedora sobre muitos estudantes que não vão conseguir completar estudos superiores por falta de meios económicos, porque as suas famílias, muitas em situação extremamente difícil, não os conseguem ajudar. Felizmente na Educação tudo está bem, e este ministro anda preocupado com reformas curriculares que estão a ser feitas apenas por determinismo económico, já que, do ponto de vista pedagógico, nada de significativo acrescentam. Mas continuamos a conviver com o desvario financeiro da Parque Escolar e a obsessiva necessidade de despedir professores. O facto de os estudantes não conseguirem aceder ao Ensino Superior será certamente um pequeno equívoco sem importância. A Economia é outro excelente exemplo que, felizmente, só tem um pequeno equívoco sem importância: o próprio ministro. Ninguém o vê, viu ou ouviu, porque ninguém sabe quem é. Adivinhe-se o resto. É que neste país os pequenos equívocos sem importância são assaz longos, mas, como diria António Tabucchi no seu livro do mesmo nome, “o simples facto de os ver representar os seus papéis era também um papel, e nisso consistia a minha culpa; fazer o meu papel porque a nada nos podemos furtar e todos somos culpados de qualquer coisa, cada um à sua maneira”. Afinal, a troika é culpa de todos nós… a diferença estará na maneira de lidar com ela. E esta, a atual, parece, cada vez mais, ter sido uma má escolha. A menos que o tempo nos venha a provar o contrário… se ainda houver portugueses por cá.