PERPLEXIDADE E INDIGNAÇÃO
O país reagiu com um misto de perplexidade e indignação a mais um bizarro episódio protagonizado pelo Presidente da República, independentemente da veracidade das suas afirmações, quando acusou José Sócrates de uma deslealdade histórica, chegando mesmo a insinuar que teria sido enganado pelo então primeiro-ministro. Tudo isto aconteceu não num desabafo de ocasião, mas sim num momento marcadamente institucional, aquando do lançamento do livro Roteiros VI, que reúne as suas principais intervenções públicas e cujo prefácio foi a causa de tanta agitação. O país reagiu neste misto de perplexidade e indignação, mas o mais preocupante é que poucas foram as opiniões sensatas que a este respeito se fizeram ouvir. À inoportunidade de Cavaco Silva também só se pode juntar o coro de protestos indignados das agora “virgens políticas socialistas” que ainda há um ano atrás tinham precisamente crucificado aquele que agora o Presidente da República visou. E não o fizeram denotando algum sentido de Estado, mas apenas numa mera manobra de baixa política partidária. E é precisamente aqui que reside a gravidade de toda esta situação. É legítimo perguntar que lição e ilação tiram os portugueses de toda esta sucessão de episódios pouco felizes? Que reflexos tem, para um povo e um país que atravessa um momento particularmente difícil na sua história recente, o facto de um Presidente da República vir a público dizer que os políticos o andam a enganar. Que exemplo retiram os portugueses que não seja que os políticos em Portugal andam mais preocupados em se enganarem uns aos outros do que propriamente em governar o país. Mas o mais bizarro desta história é que quem acaba por ser mais atingido pelo episódio não é Sócrates, nem a sua anterior governação, nem tão-pouco o Partido Socialista, mas sim o atual primeiro-ministro. Hoje, mais do que salvar Portugal, Passos Coelho tem pela frente a urgente e estoica tarefa de credibilizar os políticos e a política, sob risco de “cair no mesmo saco”. Tal como afirmou Carlos Moedas – o seu secretário de Estado adjunto e tido como um dos mais próximos colaboradores do seu gabinete – numa entrevista recente, precisamente à FRONTLINE, que da política continuava a ter uma visão crítica quando reconhecia que sentia o desencanto de uma geração (a sua) que não acreditava na política, pouco mais haverá a acrescentar. Com troika ou sem troika, urge renovar uma classe política que se instalou no poder há 30 anos e que teima em perpetuar-se numa lógica de jogos de interesse medíocres e que contaminou grande parte do tecido económico e social e empresarial da nossa sociedade atual. Não tomemos a parte pelo todo, mas, mais do que renovar, há que expurgar, caso contrário somos nós que nos continuamos a enganar a nós próprios.