RASGAR A CORTINA
Recentemente almocei com o ministro da Saúde! Na realidade, o facto em si não tem nada de extraordinário, a não ser que almocei eu e mais uma centena de pessoas numa, ou melhor, em mais uma, iniciativa do International Club of Portugal (ICPT). Porquê falar nisto? Por uma razão óbvia e simples: não por se tratar do ministro da Saúde, mas sim por se tratar de um político a falar com gente real. A falar, a explicar, a ser inquirido e a inquirir sem o véu, sem a cortina da comunicação social, sem enfermar da mediatização da política a que hoje não conseguimos fugir. É óbvio que os que estiveram presentes talvez não retratem o cidadão comum, mas também é óbvio que muitos destes por certo representam o perfil de pertença das tão necessárias elites que este país tem visto desaparecer a serem erodidas muitas vezes por empenho e determinação do Poder Político. Ainda o mês passado aqui escrevi que Portugal precisa de elites, precisa de uma sociedade que se reveja nas suas elites, precisa de um poder político que entenda as elites como um fator de coesão para o seu exercício político. Não precisa é de uma massa intelectualmente aculturada, pronta a respostas meramente emotivas, sem tentar descortinar a sua natureza ou as consequências da sua adesão. São iniciativas como a do ICPT que dão lastro para começarmos a mudar o estado das coisas, para “ressuscitar” um tão necessário espaço público bem compreendido pelas doutrinas sociológicas dos anos 70, como forma de combater a aculturação provocada pela excessiva mediatização do discurso político, mas que, em última análise, se estende viralmente a todos os domínios da sociedade. Os políticos deixaram de falar com as pessoas e passaram a falar com a comunicação social. Ninguém diz que há fuga a este caminho ou que esta realidade seja inultrapassável. Ela tem é de ser compreendida, assimilada, sob pena de se passarem as pessoas para um plano secundário e permitir à própria comunicação social ganhar um estatuto que não tem nem nunca poderá ter. Hoje já estamos a meio caminho entre a mediatização e a espetacularização, correndo o risco – mesmo que não seja essa a intenção – de transformar todo o discurso político numa imensa amálgama de propaganda, com todas as consequências nefastas que daí podem advir. A este propósito relembro só o que, há mais de 70 anos, escreveu Adolf Hitler, no capítulo dedicado à propaganda, no Mein Kampf: “A capacidade de compreensão das grandes massas humanas é limitada e o seu entendimento muito restrito; em compensação, a sua falta de memória é maiúscula (…) Toda a propaganda deve ser popular e adotar um nível intelectual dentro dos limites das faculdades de assimilação do mais limitado daqueles a que é dirigida.” Estamos a falar de propaganda ou do discurso estereotipado a que todos os dias assistimos nos media, principalmente na televisão? Como rasgar esta cortina? Este papel cabe não só aos políticos mas também às elites, essas mesmas capazes de catalisar o amorfismo do discurso político vigente, propagandeado pela forma, mas que em simultâneo lhe vaza o conteúdo. É fundamental rasgar esta cortina e que os políticos percebam que têm de voltar a falar para as pessoas. E que só o podem fazer se procurarem apoio nas elites que têm teimado em aniquilar. Caso contrário, olhem para a Grécia…