A ESCASSOS DOIS MINUTOS DE NADA
O episódio é singelo mas, ao mesmo tempo, trágico no retrato fiel do quotidiano de um país à beira do nada. Um indivíduo entra no tribunal de Almada para pedir o certificado do registo criminal. O segurança, tranquilo, diz-lhe, apesar da porta aberta, que só abrem às duas e meia. O indivíduo olha para o relógio e repara que poucos minutos faltavam. Anui, sai, bebe um café e regressa. Entra pela mesma porta com o segurança, olha para a senhora distraída no balcão onde deveria tratar do seu assunto, mas o mesmo segurança interpela-o novamente e sustenta: “Só às duas e meia.” O indivíduo olha para o relógio e diz: “Mas são!” O segurança assume então um ar didáctico e aponta para um relógio grande, de ponteiros, colocado numa posição elevada sobre uma parede. “Sabe, nós guiarmos por aquele relógio e são duas horas e vinte e oito minutos.” E ali ficaram aquelas três personagens, o indivíduo, o segurança e a funcionária do tribunal, suspensos durante 120 segundos, até os ponteiros alinharem a hora de recomeço do período de trabalho da tarde. Aí, a funcionária, despertando da sua letargia – porque assim o “grande relógio da parede”, legitimando o seu horário de funcionalismo público, o impunha –, disse, em tom arrastado e sereno: “Faz favor?” E assim corre Portugal, a escasso dois minutos de nada ou de tudo. As análises sucedem-se, mais profundas ou menos profundas, as soluções ensaiam-se, mais profícuas ou, desde logo, destinadas ao fracasso, os executivos mudam, os políticos sucedem-se e são precisamente estes últimos o manto diáfano que sempre cobre as terras lusas. Os eternos culpados sucedem-se porque os rostos são passageiros e nenhum se perpetua para responder pelos seus pecados governativos. É fácil, a culpa vai-se empurrando para os que se seguem. Mas será que alguma vez alguém questionou que o verdadeiro problema poderá não estar aí? Qual tem sido a única constante ao longo destas últimas décadas de desgraça? Só vejo uma: os portugueses, todos nós. Parem de culpar quem tem menos culpa. Não mudem e continuaremos sempre a escassos dois minutos… de nada.