JOSÉ CARIA

SERVIÇO DE INFORMAÇÃO – A verdadeira e violenta estirpe escondida da COVID-19. Em qualquer contexto de situação limite, seja este ou qualquer outro, a resposta do indivíduo – independentemente de credos, convicções, escolaridade ou estrutura de valores, exacerba a resposta mais básica que resulta da nossa própria natureza humana: a da sobrevivência. A pandemia COVID19, que nos afeta, esconde uma segunda estirpe perigosa, violenta e que se propaga a uma velocidade ainda maior e que parece estar a ser subestimada: a ESTUPIDOVID. Ainda não estamos atolados num charco de mediocridade, a ver um país definhar perante a incongruência, a desorientação total, a mentira, o desrespeito e a militante ignorância, mas podemos rapidamente lá chegar. O perigo real desta ameaça pandémica não é sanitário, ou de qualquer outra natureza. Reside, sim, na ténue fronteira que nos coloca entre uma saída para um futuro que enquadre os nossos valores de uma sociedade justa, ou na derrapagem para a exacerbação de um qualquer modelo de uma democracia musculada que esconda um propósito totalitário ou ditatorial, explorando as duas maiores fraquezas humanas: o medo e a ignorância. 

Conjuntura atual – Olhemos para a conjuntura: alteramos significativamente o nosso modo de vida / estamos à beira de uma grave crise económica / estamos confinados e isolados / estamos fora do espaço público, do debate de opiniões, sorvemos toda a informação que nos chega, sem controlo, sem contraditório. Em qualquer contexto de situação limite, seja este ou qualquer outro, a resposta do indivíduo – independentemente de credos, convicções, escolaridade ou estrutura de valores, exacerba a resposta mais básica que resulta da nossa própria natureza humana: a da sobrevivência. E, neste contexto, precisamos do quê? Precisamos rapidamente de segurança / precisamos rapidamente de encontrar culpados / precisamos de uma liderança forte / e a equação de que os fins podem justificar os meios, sejam eles quais forem, já é admitida. Também sabemos hoje, por exemplo, que o excesso de informação leva naturalmente a um processo de aculturação e que este inibe a nossa capacidade de reação individual, aumentando a nossa dependência da memória coletiva que suporta os comportamentos de grupo. E a memória coletiva tem duas faces distintas. Se, por um lado, é um reforço fundamental na afirmação da identidade (de um povo, de uma causa, de uma instituição), é, por outro, terreno fértil para afirmação de práticas doutrinais, mesmo que estas sejam ou conduzam a efeitos perversos. 

Comunicação social – E porque de comunicação se trata, vejam o que se passa hoje, em plena crise pandémica, em alguns dos suportes que mais pessoas agregam, embora por diferentes motivos: veja-se o que se passa nas redes sociais. Neste contexto também os órgãos de comunicação social têm uma responsabilidade acrescida. Se exemplos como a SIC e a RTP são de louvar, apoiar e estimular, é preciso também publicamente denunciar e condenar muitos que hoje estão a prestar um mau serviço ao país. E não preciso enumerar. É certo que, por agora, o sentimento que ainda mais nos domina, a todos nós portugueses, não é de revolta, nem de resignação, mas sim de algo ancorado num misto de perplexidade e de apatia, como quem diz: “como pudemos chegar aqui?”. Não estamos atolados num charco de mediocridade, não estamos a ver um país definhar perante a incongruência, a desorientação total, a mentira, o desrespeito e a militante ignorância de quem tem responsabilidades como muitos querem fazer crer, não estamos perante um descalabro geracional ou uma rutura sociológica das nossas sociedades ocidentais, mas tenhamos consciência de que este ciclo de mudança não é conjuntural, é estrutural, mas com uma diferença fundamental: não será a dois tempos, não haverá um AC (leia-se Antes Covid) e um DC. Quem não perceber isto corre o risco de ficar confinado para sempre. E é aqui que reside a “mãe de todos os perigos ou a soma de todos os medos”. Se este for por interesses individuais, por incapacidade de tomar decisões, por medo da mudança – o sentimento dominante de muitos (os que têm responsabilidades, políticas ou outras), então somos nós, todos nós, que corremos o risco de ficarmos confinados para sempre, reféns do medo e manietados em nome de uma falsa e profética segurança. 

Capacidade de intervir – O futuro a todos nós pertence (talvez mais uns do que a outros), mas também aqui não nos podemos isentar de responsabilidades. E será neste equilíbrio que residirá o caminho para diante. Não vale a pena calar os profetas da desgraça, nem tão-pouco aqueles que fazem eco da denegrida figura dos “velhos do restelo”, não sabendo ler a história, que esses apregoados velhos, à altura da partida de Vasco da Gama para a Índia, mais não eram do que homens de 30 anos. O tempo os aniquilará, mas não possa isso abrandar a nossa capacidade de intervir e de repor a verdade. Talvez, nunca tanto como hoje, nos é exigida a todos nós, mas falo agora e em sede própria a nós jornalistas, uma responsabilidade de conduta e de defesa do bem comum, da verdade e dos valores basilares da condição humana. Mas também que isso não se traduza apenas num enunciado e apregoado exercício retórico e seja, sim, o mote da nossa ação quotidiana.  

Porque não esqueçamos que o futuro que queremos é já hoje. Amanhã poderá já ser tarde demais…