JOSÉ CARIA

Foto FrontlineA REJEIÇÃO DO ÓBVIO

Uma leitura preocupante dos recentes atentados terroristas em França veio pôr a descoberto a ignorância, incapacidade e fragilidade do Velho Continente ou, talvez sendo mais preciso, da União Europeia, de lidar com esta realidade. A primeira questão a levantar é a da necessidade de abordar o terrorismo em dois eixos distintos, até nas suas razões e motivações: o do fenómeno e o da ameaça. Comecemos pelo segundo, o da ameaça, e facilmente compreendemos a displicência com que os serviços secretos e de informação da Europa têm tratado esta questão. Se olharmos um pouco para trás, sabemos hoje que teria havido uma forte possibilidade de o 11 de Setembro ter sido evitado, não fosse essa mesma displicência revelada na altura pelos serviços secretos norte-americanos que ignoraram ou secundaram muita informação e indícios que poderiam ter levado a um desfecho diferente. Mas também sabemos hoje que muita dessa displicência foi explicada (e felizmente corrigida) por uma questão transversal a todo o sistema, a da doutrina de segurança vigente em 2011, que, traços gerais para que o cidadão comum perceba, colocava sempre a ameaça ou ameaças terroristas a acontecerem no exterior e portanto fora da integridade do território nacional. O que, obviamente, também resultou do 11 de Setembro e das operações militares de larga escala, que se desenvolveram nos anos seguintes, foi a certeza de que a Al Qaeda ou organizações semelhantes já não seriam capazes de levar a bom porto atos terroristas de grande envergadura como foi o das torres gémeas. O que mais uma vez resultou, e desta vez bem, foi o cimentar de eficiência em dar resposta a ameaças terroristas que teriam certamente outro modus operandi, como veio a acontecer agora em Paris. O que era óbvio para todos não foi para a generalidade dos responsáveis europeus, e esta rejeição do óbvio acabou por ter custos elevados. Mas mais preocupante foi o facto de se ter exposto esta incapacidade da Europa para lidar com o terrorismo. Quanto à primeira questão, a do fenómeno, também as primeiras palavras saídas da generalidade dos líderes europeus são motivo para acrescida preocupação: restrições à circulação, novas estruturas de supervigilância ou o contraponto de argumentos de que, desta vez, os alegados terroristas eram afinal cidadãos franceses. Tudo na esfera de lidar com a ameaça, nada que revele vontade ou capacidade para compreender o fenómeno. Porque por mais que se diga ou os grupos terroristas assim o afirmem, o que está em causa não é uma luta contra o Ocidente, o seu modo de vida ou a liberdade de expressão vigente. O fundamentalismo islâmico é de génese individual com base numa matriz religiosa de interpretação restritiva. É uma opção do indivíduo e não uma imposição de regime. A única pessoa que até hoje parece ter compreendido o terrorismo que nos espera é o Papa Francisco.