Portugal vive uma democracia de consumo rápido, tal e qual como a fast food, e não de digestão fácil. Em escassos três anos, este Governo consumiu aquilo que ao longo de 40 anos parecia estar consolidado no país – um regime político democrático com plena salvaguarda das suas instituições e da sua Constituição. Passos Coelho assim não pensa ou pelo menos, na praxis, é essa atitude que espelha. À máxima de Francisco Sá Carneiro – Uma maioria, um Governo, um Presidente – faltará talvez agora acrescentar um Tribunal Constitucional. Ou tudo o mais que seja necessário para governar “em democracia”, mas a verdade é que estes caminhos trilhados pelo primeiro-ministro nos aproximam vertiginosamente das vias ditatoriais. Todos estes episódios recentes, a culminar no insólito (pois não encontro melhor termo para o descrever) ataque aos juízes do Tribunal Constitucional, revelam não só falta e sentido institucional e de Estado, como perigosa ignorância política e uma enorme falta de visão histórica, de Passos Coelho, do seu Governo e de todos os outros que ministram nesta estranha congregação. Recordo-me muito bem das palavras recentes de Frank Carlucci, espelhadas nas suas memórias, quando afirmou que o que se viveu em Portugal, no verão quente de 1975, serviu de lição e evitou muitos erros e possíveis consequências nefastas nos trilhos de transição de regimes que se viveram nas décadas consequentes. O pródigo embaixador americano na altura do 25 de Abril sempre se referiu à Revolução dos Cravos com um período atípico e perigoso, que poderia ter tido consequências imprevisíveis à escala internacional. “Felizmente assim não foi e todos aprendemos”, palavra de embaixador. E de facto todos parecem ter aprendido com a História. Até o Partido Comunista percebeu que a democracia em Portugal era um caminho irreversível. Mas para tal foi preciso voltar a pegar em armas. Todos parecem ter percebido isto, com exceção para aqueles que hoje se inscrevem na esfera política nacional. E esta dita “ignorância” não cruza só o atual Governo, mas é transversal a todo o espetro político. O povo, que afinal somos todos nós, também já percebeu. Resta saber se seremos tolerantes, se responderemos, talvez já nas próximas eleições, com democracia à falta da mesma ou se, pelo contrário, começam a ganhar corpo outros caminhos menos democráticos para atingir o mesmo fim, a consolidação de um regime democrático em Portugal. Porque se afinal o problema é a Constituição, haja coragem para a mudar. A democracia também o prevê. Agora, é preciso um largo consenso político, não entre forças partidárias, mas no qual os portugueses acreditem. E esse, hoje, parece ser um horizonte longínquo.