JOSÉ CARIA

CARIAOS 70 MAGNÍFICOS

Um grupo alargado de personalidades de referência na sociedade portuguesa subscreveu um manifesto. É um facto, mas é um facto que em si não revela nada de extraordinário. Outros manifestos houve, opiniões são expressas quotidianamente, faz parte da nossa vida nessa mesma sociedade e em democracia. Mas este manifesto merece uma reflexão mais profunda. E merece-a porque, para além do que o seu texto explicita, o tempo e a forma como foi proferido e as reações opositoras e preocupantes que desencadeou parecem despoletar um sério aviso ao quanto enferma está a política em Portugal e até na própria União Europeia. Para o primeiro-ministro, o manifesto mais não traduz do que uma visão irrealista de Portugal, aliás, opinião logo, estranha e apressadamente, secundada pela Comissão Europeia. Poderia até ser legítima esta posição, mas a pergunta óbvia é: se 70 personalidades de inegável e intocável reputação, representativas de todo o espetro político e das mais variadas áreas deste país, têm uma visão irrealista do mesmo, então quem terá uma visão “classificável” de realista? O Governo na sua douta sabedoria? O mesmo raciocínio se aplica à União Europeia, quando provavelmente acha que esta opinião coletiva é desprezível. É óbvio, porque apesar de, hoje, já todos termos consciência dos erros e falhanços cometidos no programa de assistência financeira a Portugal, a Comissão Europeia continua obstinadamente a negar tal evidência, ficando assim cada vez mais claro o arrependimento da generalidade dos europeus em terem apoiado a candidatura de Durão Barroso para a Comissão Europeia, em contraste com o contentamento dos alemães e da senhora Merkel. Mas Portugal corre ainda outro risco maior, o de amanhã não ter sequer 70 personalidades de renome para subscrever qualquer outro manifesto. E basicamente por duas razões: ou porque já nem sequer estão cá, olhando para o ritmo de “necessária fuga” dos nossos mais qualificados, ou porque esta tendência, associada à sistemática destruição das elites que este novo liberalismo tem operado, vai deixar apenas no país os alinhados com os regimes, gerados nas máquinas partidárias, legitimando uma democracia amorfa, sem vozes críticas, com protestos reduzidos a manifestações de rua ou cartazes empunhados à porta de instituições ministeriais. E aí sim, está aberto campo fértil para os radicalismos…