JOSÉ CARIA

E DEPOIS DO ADEUS

Nunca escondi que o meu quadro de doutrina política e de referências ideológicas se situa naquilo que democraticamente convencionámos designar pelo centro-direita, espaço em Portugal ocupado partidariamente pelo PSD e pelo CDS. E deixo aqui expressa esta referência porque hoje impunha-se uma reflexão, a qual, pela sua ausência, me deixa deveras apreensivo quanto ao futuro deste país. Mesmo de forma simplista, fará algum sentido afirmar que o efeito colateral mais previsível destes anos de governo PSD/CDS/troika será o afastamento deste mesmo centro-direita das artes da governação por um longo período – duas a três legislaturas – a começar já num futuro próximo. Acredito que para muitos, aliás, hoje, talvez até para a maioria dos portugueses, este facto seria um respirar de alívio se lhes fosse desde já dado como garantido. O problema é que a visão pouco esclarecida do presente e o seu consequente julgamento normalmente hipotecam o futuro de forma irreversível. Passos Coelho e Paulo Portas podem, de facto, ter aberto um problema sem precedentes na história democrática do nosso país, mas mais preocupante é que ninguém parece importar-se com ele. Porque um afastamento do centro-direita (não deste atual PSD ou CDS) do poder irá sempre corresponder a um vazio de governação, porquanto no espetro político à esquerda também não existem soluções nas atuais filiações partidárias. Não com este PS de António José Seguro, muito menos nos radicalismos populistas dum Bloco de Esquerda em acelerada erosão ou na inflexibilidade doutrinária dos fiéis comunistas na luta contra o capital. Mas os portugueses correm ainda um risco maior do que a ausência de soluções credíveis de governação. Portugal é hoje um país sem projeto, sem futuro, sem debate de ideias, sem soluções que apontem um rumo para as próximas décadas. A direita desencantada esconde-se, a esquerda vive na ânsia redutora de lhe ver cair o poder no berço, e os portugueses, ainda imberbes na sua jovem democracia, continuam a viver o seu sentimento de orfandade acreditando que amanhã, no cair do pano (leia-se saída da troika), como por milagre, tudo ficará bem. Na verdade, os portugueses não se podem queixar dos políticos que têm, como tantas vezes nos parecem fazer crer. Os portugueses só se podem queixar de si mesmos, da sua inércia perante um sistema político que têm legitimado com o seu voto, mesmo sabendo que não serve os interesses do país, levando-os a aceitar com resignação o que o futuro lhes reserva, na esperança de que melhores dias virão. Ainda não perceberam que o voto de nada serve se não tiverem liberdade de escolha. E em Portugal essa liberdade hoje não existe.