Nos tempos que correm, cada vez mais me vem à memória um dos intemporais slogans dos anarcas que proliferavam nos anos do imediatismo pós-revolucionário de abril e escrito amiúde por muitas paredes de Lisboa: “Portugal estava à beira do Abismo. Agora deu um grande passo em frente.” Claro que motivações diferentes separam estas duas realidades que distam mais de 30 anos no espaço e no tempo, mas os contributos dos alegados anarcas naquela fase conturbada de um Portugal a despertar para uma nova realidade política, económica, social e cultural, não devem ser desprezados. A anarquia, de per si, não gera o caos, mas pode contribuir para instituir uma nova ordem como instrumento de exercício crítico contra doutrinas políticas de cariz absolutista como a que Portugal vive hoje, imposta por uma Europa que não conhecemos e que definha dia após dia. Talvez precisássemos de um primeiro-ministro um pouco anarca, com a certeza de que precisamos de um primeiro-ministro com uma determinação política diferente do atual. É verdade que, ao longo dos dois últimos anos, tenho feito nestas páginas da FRONTLINE algum exercício crítico em relação ao atual Governo. Mas também já escrevi que acreditava – e continuo a acreditar – que Passos Coelho é um político com valor e convicto de que está a fazer o melhor pelo seu país. Mais que não seja, há que lhe reconhecer a sua capacidade de resiliência para governar em condições de adversidade extrema, preso a um nó corrediço, para cujo aperto até o seu parceiro de coligação tem dado um grande contributo. Passos tem falhado em muita coisa, sem dúvida alguma. Mas é necessário que se perceba porque é que falhou e continua a falhar. Mais do que ninguém, será o próprio primeiro-ministro que terá de o compreender. Mas também muitos dos que estão na primeira linha a atirar pedras deviam fazer este exercício. Quando Pedro Passos Coelho conquistou a liderança do PSD, escrevi numa crónica uma imagem curiosa que me tinha assaltado a memória, ambígua, mas carregada de significado: de um Jack Nicholson a jogar basquetebol no pátio de um hospício. Obra-prima de Milos Forman, o filme retrata a estranha história de um jovem delinquente que, para escapar à pena de trabalhos forçados a que foi condenado, resolveu fazer-se passar por doente mental. Mas quando chegou à instituição psiquiátrica que o ia acolher, o choque foi profundo e acabou por encabeçar uma revolta com os doentes, rebelando-os contra toda a violência a que eram sujeitos. Afirmei então que Passos Coelho tinha de fugir à lobotomia que o partido e também os seus opositores políticos lhe iriam querer impor, cada um à sua maneira, como a calculista enfermeira Mildred Ratched fazia aos seus doentes. Passos Coelho já perdeu dois anos no mesmo impasse: ou ganha a revolta e logo o país, ou… Portugal transforma-se rapidamente num cenário do Voando sobre um ninho de cucos.