JOSÉ CARIA

A RAIZ DO MAL

Percebi agora que o sentimento que mais domina todos os portugueses já não é a revolta, mas sim um misto de perplexidade e de apatia, como quem diz: “como pudemos chegar aqui?”. Estamos atolados num charco de mediocridade, a ver um país definhar perante a incongruência, a desorientação total, a mentira, o desrespeito e a militante ignorância de quem tem responsabilidades de nos governar. Não é uma ameaça à democracia, como muitos querem fazer crer, é antes um descalabro geracional, profundo e que infelizmente já não se confina à classe política, mas cruza transversalmente toda a sociedade portuguesa. E se olharmos com atenção os exemplos que os políticos nos dão, também os vemos todos os dias, em muitas empresas, em organismos públicos, nas escolas, nas nossas chefias, até no indivíduo que se senta ao nosso lado. A raiz do mal é muito mais profunda do que alguma vez poderíamos imaginar, mas é sobretudo o resultado da ação de uma classe política que, anos a esta parte, tem vindo sistematicamente a tentar destruir as elites deste país, considerando-as uma ameaça ao status quo vigente, convivendo – e aí sim, com uma encenação de exaltação democrática – com uma esquerda ideologicamente ultrapassada, uma direita que nunca existiu e resquícios de uma intelectualidade moribunda. E neste entretanto Portugal definha, num constante devir de gerações amorfas que têm vindo a contaminar todo o tecido social e nos arrastam para um abismo civilizacional. Porque só agora percebemos que é nos pequenos exemplos que compreendemos a profundidade desta raiz do mal. Ainda recentemente fui confrontado com uma história que ultrapassa os limites do aceitável, ainda mais quando fere a pedra basilar que deveria ser o sistema educativo. O agrupamento de escolas Carlos Gargaté, na Charneca da Caparica, resolveu lançar um projeto-piloto para os alunos do 1.º ciclo, acreditando de tal forma nas suas virtudes que a primeira preocupação foi escondê-lo dos pais e da comunidade escolar. Sintomático… Mas a tentativa não foi bem sucedida, a direção da escola tentou então passar a ideia de que era um projeto imposto pelo Ministério da Educação, o que na realidade também se veio a revelar como uma falsidade. Para além do mais, e de acordo com alguns juristas, o projeto não só está ferido na sua legalidade, como se veio ainda a descobrir que afinal já não se aplicava de igual para todos os alunos. É que na pressa da sua execução, nem aspetos como ter professores a serem professores dos próprios filhos foram salvaguardados.Porque é que tudo isto acontece? Apenas porque a escola tem um contrato de autonomia e para preservar essa autonomia (e quiçá apostar na promoção pessoal de alguns dos seus quadros) tem de fazer “alguma coisa”. E depois, quem avalia, com a mesma superficialidade, até acha que a escola fez “alguma coisa”, só porque lançou um projeto-piloto. Mesmo que daí resulte prejuízo para os seus alunos.Olhemos para este exemplo e olhemos para quem governa o país: salvaguardando as devidas proporções, a trapalhada, a incompetência, a falta de transparência, o desrespeito pelas pessoas e a defesa dos interesses pessoais mudam assim tanto? Afinal a raiz do mal é muito mais profunda do que imaginávamos.