ISABEL MEIRELLES

DO PLANO DE ABANDONO DOS COMBUSTÍVEIS RUSSOS AO REEQUILÍBRIO DAS RELAÇÕES TRANSATLÂNTICAS 

Em maio de 2025, a União Europeia anunciou um roteiro ambicioso para pôr termo à sua dependência dos combustíveis fósseis russos até 2027, introduzindo instrumentos regulatórios que permitirão às instituições europeias fiscalizar contratos comerciais e evitar a necessidade de unanimidade dos Estados-membros para sancionar as importações energéticas de Moscovo. 

Paralelamente à iniciativa da UE, o reforço das exportações de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos para a Europa ganhou novo ímpeto, com as aquisições europeias a terem aumentado de 49% no primeiro quadrimestre de 2025, evidenciando o realinhamento transatlântico em matéria energética. Entre tensões internas, onde países como a Hungria se opõem a sanções adicionais, e pressões externas, este novo mapa energético europeu promete redesenhar as alianças geopolíticas do Velho Continente. 

Rússia 

Desde a invasão da Ucrânia em Fevereiro de 2022, a Rússia tem utilizado a energia como instrumento de influência, culminando no corte abrupto de fornecimentos a vários Estados-membros, nomeadamente através do Nord Stream. Em resposta, o plano REPowerEU, lançado em 2022, traçou metas de diversificação de fornecimentos e aceleração das renováveis, mas faltava um roadmap pormenorizado para eliminar totalmente os hidrocarbonetos russos.  

A urgência estratégica e as lições da crise de 2022-23 tornaram indispensável definir prazos exatos e mecanismos de acompanhamento, de modo a garantir segurança de abastecimento e coesão interna. 

Em 6 de maio de 2025, o Colégio de Comissários aprovou um documento que impõe o fim de todos os contratos a prazo de gás russo até dezembro de 2025, e a extinção dos contratos de longo prazo até 2027.  

Para o efeito, a Comissão propôs a fiscalização obrigatória de contratos de importação, permitindo rastrear a proveniência dos combustíveis, sanções automáticas em caso de renovação de contratos com entidades russas, sem necessidade de aval unânime dos Estados-membros e a proibição faseada de combustível nuclear russo, estimulando a entrada de fornecedores alternativos, como a Westinghouse. 

O plano assenta ainda num fundo de solidariedade energético de 30 mil milhões de euros, proveniente do orçamento plurianual e das emissões de licenças de carbono, destinado a amparar Estados-membros mais dependentes e acelerar a transição para energias limpas. 

Estados Unidos 

Impulsionados por incentivos políticos e comerciais, os Estados Unidos registaram um aumento de 20% das exportações de GNL nos primeiros quatro meses de 2025 face a 2024, enviando para a UE 77% do total exportado. França, Reino Unido e Países Baixos destacaram-se como principais importadores, estabelecendo novos recordes de compras. 

Sob a presidência de Donald Trump, a energia tornou-se moeda de troca nas negociações tarifárias EUA-UE. O Comissário Maroš Šefčovič propôs um aumento de 50 mil milhões de euros nas compras de bens norte-americanos –incluindo GNL e produtos agrícolas – para travar tarifas de 25% sobre automóveis e aço. Esta estratégia visa equilibrar o défice comercial e fortalecer laços transatlânticos, mas enfrenta resistência interna devido a receios ambientais e concorrência externa. 

Em Abril de 2025, a Lituânia sugeriu agregar a compra de GNL de todos os Estados-membros como instrumento de negociação conjunta com os EUA, aproveitando o mecanismo de compra coletiva lançado em 2023. Esta medida poderia otimizar preços, garantir volumes regulares e reforçar a posição da UE em futuros entendimentos comerciais. 

União Europeia 

Contudo, existem divergências entre Estados-membros que geram desafios e tensões internas ao nível da União Europeia. Com efeito, a Hungria e a Eslováquia têm ameaçado bloquear novas sanções energéticas, reivindicando direitos adquiridos e contratos a longo prazo, o que tem atrasado decisões unânimes no Conselho da União. Estas vozes dissidentes obrigam a encontrar compromissos que conciliem segurança de abastecimento e solidariedade. 

No Parlamento Europeu, o reforço do escrutínio sobre os grupos de pressão que representam empresas de gás e petróleo tem sido encorajado, com iniciativas para publicar todos os contactos entre eurodeputados e lobbiesenergéticos, sendo que a luta contra a corrupção e pela transparência emerge aqui como fator decisivo para legitimar o processo junto da opinião pública. 

Tudo isto tem implicações geopolíticas com o fortalecimento da Aliança Atlântica. A redução da dependência face a Moscovo reforça a credibilidade política e militar da NATO, tornando mais eficazes as sanções económicas e diminuindo o risco de chantagem energética em caso de escalada no Leste. A União Europeia assume-se, assim, como parceiro estratégico mais autónomo e coeso. 

No Leste Europeu, países como a Roménia assistem a instabilidade política, exemplificada pela queda do governo após a vitória de forças ultranacionalistas o que reflete o clima de incerteza numa região ainda dependente de infraestruturas soviéticas. A consolidação de redes de gasodutos alternativos, como a expansão da rede BRUA, será fundamental para fixar confiança e competitividade. 

Novo mapa energético 

O novo mapa energético da UE, definido em maio de 2025, representa um passo decisivo rumo à soberania estratégica e à sustentabilidade climática. A conjugação de prazos rigorosos, solidariedade financeira e aliança renovada com os EUA cria oportunidades únicas, mas exige cuidadosa gestão das tensões internas e das contingências geopolíticas. 

Para garantir o êxito desta transição, impõe-se aprofundar a integração dos mercados energéticos, fortalecendo corredores físicos e mecanismos de compra conjunta, promover a expansão das renováveis e do hidrogénio verde, diminuindo o recurso a combustíveis fósseis de qualquer origem e manter um diálogo transparente com cidadãos e legisladores, assegurando que a transição não agrave desigualdades sociais nem crie novos vetores de dependência. 

Só assim a União Europeia poderá escrever uma nova página na sua cartografia energética, consolidando-se como potência resiliente e comprometida com a paz e o clima. 

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *