ISABEL MEIRELLES

A MAIOR ILHA DO MUNDO

A Gronelândia, até aqui praticamente anónima, saltou para a ribalta quando, recentemente, Donald Trump lançou a ideia de “comprar” a ilha, o que foi considerado absurdo e impraticável, numa altura em que os territórios soberanos, nos termos do Direito Internacional, já não estão disponíveis para aquisição.

A ideia de comprar a Gronelândia não é inédita, dado que não é a primeira vez que os Estados Unidos a tentam adquirir. Em 1867, o governo americano também demonstrou interesse na sua aquisição e em 1946, o presidente Harry Truman ofereceu US$ 100 milhões à Dinamarca para adquirir a ilha, mas a proposta foi rejeitada. Trump retomou esta ideia como uma maneira de expandir o território e influenciar uma posição estratégica no Ártico.

Esta pretensão reflete o crescente valor estratégico da Gronelândia no cenário global, especialmente em tempos de mudanças climáticas e disputas pelo controlo do Ártico.

Interesses em jogo

Trump receia, antes de mais, a China, que tem demonstrado um interesse crescente na ilha devido ao seu progressivo valor estratégico, económico e geopolítico, como forma de ampliar a sua influência no Ártico, onde aquele território desempenha um papel importante devido à sua localização e recursos naturais abundantes, para além de estar situada no centro de rotas marítimas árticas emergentes, o que pode reduzir significativamente o tempo de transporte entre Ásia, Europa e América do Norte.

A China vê essas rotas como cruciais para a sua iniciativa da Nova Rota da Seda Polar. A Gronelândia possui vastas reservas de minerais de terras raras, essenciais para tecnologias modernas, como equipamentos eletrónicos, veículos elétricos e equipamentos militares, sendo que a China já domina o mercado global, mas procura consolidar, ainda mais, o seu controlo.

Já anteriormente, a China tinha demonstrado interesse em investir em infraestrutura na ilha, em portos, aeroportos e mineração. Em 2018, empresas chinesas ofereceram-se mesmo para financiar a construção de aeroportos na Gronelândia. Pressões externas, nomeadamente dos Estados Unidos, levaram este território a rejeitar o financiamento chinês, e o projeto foi concluído com apoio dinamarquês.

Apesar disto, a China continua a investir em pesquisas científicas no Ártico, incluindo na ilha, para estudar os impactos das mudanças climáticas e explorar novas oportunidades económicas que são vistas como uma maneira de este país estabelecer presença e influenciar decisões locais, num território que é estrategicamente importante para os países ocidentais.

Tanto a Dinamarca como os Estados Unidos – estes têm mesmo uma base aérea estratégica na Gronelândia, a Base de Thule, fundamental no sistema de defesa antimísseis dos Estados Unidos e na monitorização de satélites – consideram a ilha vital para sua defesa no Ártico e veem o interesse chinês como uma ameaça potencial à segurança e à estabilidade na região.

Apesar de estar em território gronelandês, as decisões sobre essa base são tomadas principalmente entre os Estados Unidos e a Dinamarca, com pouca ou nenhuma influência do governo local. Por seu turno, a Gronelândia tenta equilibrar a atração de investimentos chineses com a proteção de suas relações históricas e estratégicas com o Ocidente.

Território autónomo

No historial da Gronelândia, esta é a maior ilha do mundo e está localizada entre o oceano Atlântico e o oceano Ártico. É um território autónomo do reino da Dinamarca, que obteve a sua autonomia política em 1979, alargada com o Ato de Autogoverno de 2009, o que lhe confere um certo grau de autogoverno.

Embora tenha controlo sobre a maioria das áreas de governo, como educação, saúde, recursos naturais e meio ambiente, sendo o parlamento responsável por legislar sobre assuntos internos e aprovar o orçamento, questões como defesa, política externa e moeda ainda são administradas pela Dinamarca que representa o território em organizações internacionais como a ONU e a OTAN.

A Gronelândia também deixou a União Europeia em 1985 após um referendo, mas mantém acordos de cooperação, especialmente em questões de pesca, acordos estes que são negociados em conjunto com a Dinamarca.

Embora a ilha tenha controlo sobre os seus recursos naturais, a sua economia ainda depende fortemente dos subsídios anuais da Dinamarca, que representam cerca de 20-25% do PIB.

Apesar de ser uma ilha enorme, com uma área de, aproximadamente, 2,16 milhões de km², cerca de 80% de sua superfície é coberta por gelo, a sua população reduz-se a cerca de 56 mil habitantes, composta por inuítes ou esquimós e dinamarqueses.

A independência política total do território está prevista e é possível, mas está dependente do seu desenvolvimento económico, especialmente no setor da mineração e exploração de recursos, que sendo um tema de debate político recorrente, ainda enfrenta desafios significativos, devido, nomeadamente, à pequena dimensão do seu mercado interno.

Assim, Donald Trump quando afirmou querer comprar a Gronelândia, apesar do inusitado da declaração, baseou-se em razões estratégicas, económicas e geopolíticas, nomeadamente devido ao aumento do interesse global pelo Ártico, onde países como Rússia e China também têm ambições, mas onde os Estados Unidos querem, a todo o custo, garantir uma posição de destaque e de domínio na região.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *