O MOTOR DA EUROPA GRIPADO
A Alemanha sofre, atualmente, de um grande desânimo naquilo que concerne à confiança dos consumidores e das empresas, mas o grande obstáculo, a curto prazo, é a depressão mental e um incrível pessimismo.
A Volkswagen é o reflexo mais evidente deste negativismo que afeta a Alemanha. Os problemas deste fabricante vão repercutir-se em toda a indústria automóvel, o maior setor do país, que representa 5% do PIB e emprega quase 800 mil pessoas, 37% das quais trabalham para a marca.
A Volkswagen pretende fechar pelo menos três fábricas na Alemanha, eliminar milhares de postos de trabalho e reduzir os salários em 10% e, ainda, redimensionar as restantes fábricas. A confirmar-se esta reestruturação da empresa, ela marcará na Alemanha o primeiro encerramento de fábricas em 87 anos de história.
Esta decisão terá também um impacto significativo na economia europeia, uma vez que a indústria automóvel representa 7% do PIB europeu, com um choque não apenas no emprego qualificado, mas também na área da investigação e desenvolvimento, onde os investimentos são muito significativos.
Setor automóvel
Com efeito, a venda de carros novos na UE caiu 18,3% em agosto, com a Volkswagen a registar a maior queda, devido à forte concorrência chinesa no mercado de veículos elétricos, a preços mais baratos, o que terá sido a principal causa para a decisão da marca.
Por outro lado, a Alemanha tinha incentivos para veículos elétricos, mas o Governo alemão descontinuou esses incentivos, o que levou a uma queda de quase 50% das vendas de elétricos.
Haverá obviamente também um efeito para a indústria portuguesa e para os produtores de componentes das empresas ligadas à Autoeuropa, que irão sofrer com esta baixa da atividade de produção.
O fabricante de carros de luxo Porsche terá posto um fim ao planeamento de novos modelos da marca, com a fábrica de Osnabrück, o que ameaça, ainda mais, as contas da Volkswagen. Nos últimos anos, as marcas premium, onde se incluíam a Porsche e a Audi, eram a sua maior fonte de proveitos.
A queda acentuada dos lucros do construtor automóvel só veio intensificar as más notícias sobre o crescimento económico da Alemanha, que escapou por pouco a uma recessão no terceiro trimestre, oferecendo algum alívio à maior economia da Europa.
As perspetivas, porém, não são muito animadoras, dado que o Fundo Monetário Internacional prevê um crescimento económico nulo este ano, o que representa o desempenho mais fraco entre as principais economias.
A liderança que o país acumulou ao longo de décadas em áreas como a tecnologia de combustão, está a perder importância, e o modelo de exportação alemão está cada vez mais sob pressão devido às crescentes tensões geopolíticas e ao protecionismo global.
A economia alemã necessita de um grande esforço de transformação desde o pós-guerra e exige investimentos adicionais em tudo, desde as infraestruturas e a inovação até à educação e às tecnologias verdes, no sentido de superar as suas desvantagens tradicionais em termos de custos, como os elevados impostos, mão de obra, da energia, sem esquecer o envelhecimento da população que precisa de trabalhadores qualificados.
No entanto, uma reforma económica desta envergadura parece improvável, dadas as fortes restrições ao endividamento público, o chamado “travão da dívida” consagrado na Constituição alemã.
Dificuldades políticas
Uma frágil coligação governamental tripartida, chamada semáforo, com o Partido Social Democrata (SPD), os Verdes e os Liberais, também tem obstruído a formulação de políticas e tem deixado o governo sem uma visão clara para o país.
O FDP, partido liberal, criticou a falta de ambição económica do chanceler Olaf Scholz, depois deste ter demitido o ministro das Finanças, Christian Lindner, o que deverá implicar novas eleições antecipadas em março do próximo ano.
A coligação, que estava no poder há quase três anos, tem enfrentado dificuldades praticamente desde o início, já que muitas das posições que defendem os seus partidos são opostas. Enquanto o SPD e os Verdes apoiam uma forte atuação do Estado, com a emissão de dívida para financiar políticas públicas, caso seja necessário, o FDP tem uma visão contrária.
A crise na Alemanha terá efeitos significativos na União Europeia, dado ser a sua maior economia, e qualquer mutabilidade pode afetar o crescimento económico e a estabilidade da região. A crise pode levar mesmo a uma menor confiança dos investidores, aumento da inflação e desafios na política monetária da UE.
Esta crise pode impactar a política externa e as relações entre os países membros da UE. A cooperação e a solidariedade entre os Estados membros e com países terceiros, como a Ucrânia, podem ser testadas, especialmente em tempos de dificuldades económicas, sem esquecer a imprevisibilidade política do novo inquilino da Casa Branca.
Não estamos, assim, apenas a viver uma crise na indústria automóvel, estamos a viver uma crise na Alemanha, nos países europeus com possíveis contaminações em outras partes do globo.