ISABEL MEIRELLES

FAZER OU NÃO FAZER REFERENDOS?

O Código de Boa Conduta em matéria referendária da Comissão de Veneza adotado em 2007 carece, atualmente, de ser revisto no sentido de integrar as evoluções ligadas à ascensão da internet e das redes sociais.

Os referendos fazem parte do processo da democracia representativa, mas não devem ser utilizados pelos executivos para ultrapassar a vontade dos parlamentos, nem com a finalidade de tornear os pesos e contrapesos existentes. São apenas uma forma de democracia direta que permite aos cidadãos expressarem a sua vontade sobre questões importantes ou mesmo fundamentais. No entanto, podem ter desvantagens, como a manipulação, a simplificação excessiva, a polarização e a desinformação.

Segundo um relatório do Conselho da Europa, os referendos devem ser regulados por normas jurídicas claras e respeitar os princípios democráticos, tais como o pluralismo, a igualdade de oportunidades, a transparência e a responsabilidade. O relatório também recomenda que os referendos sejam acompanhados de campanhas de informação e educação cívica, que promovam o debate público e o diálogo entre as diferentes partes interessadas.

Alguns exemplos de referendos que tiveram um impacto significativo na história recente da Europa são o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) em 2016 e o referendo sobre a independência da Catalunha em 2017. Estes referendos geraram controvérsia e divisão entre os eleitores, bem como consequências diversas.

BREXIT

O referendo sobre o Brexit provocou uma crise política no Reino Unido, que levou à demissão de dois primeiros-ministros, David Cameron e Theresa May, e à convocação de eleições antecipadas em 2017 e 2019.

O processo de negociação do acordo de saída foi marcado por divisões internas no Partido Conservador, no Parlamento e na sociedade britânica, e também reacendeu as tensões na Irlanda do Norte, onde a maioria dos eleitores votou pela permanência na União Europeia, e na Escócia, onde o governo regional defende a realização de um novo referendo sobre a independência.

Também representou um desafio para a União Europeia, que teve que lidar com a perda de um dos seus membros mais influentes e contribuintes líquidos, defender os seus interesses e valores nas negociações, ao mesmo tempo que procurou preservar a coesão e a solidariedade entre os Estados-membros restantes.

O Brexit teve um impacto negativo na economia do Reino Unido, que registou uma desaceleração do crescimento, uma desvalorização da libra esterlina, uma redução do investimento estrangeiro e uma perda de competitividade, afetando o comércio com a União Europeia, que passou a estar sujeito a novas regras, como tarifas, quotas e controlos aduaneiros. O Brexit também teve consequências para a economia da União Europeia, que perdeu um dos seus maiores parceiros comerciais e um dos seus principais centros financeiros.

INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA

Outro referendo histórico foi sobre a independência da Catalunha em 2017, que marcou a política e a sociedade espanholas e catalãs. Foi convocado pelo governo regional da Catalunha, liderado por Carles Puigdemont, para o dia 1 de outubro de 2017, com a seguinte pergunta: “Quer que a Catalunha seja um estado independente em forma de república?”

O governo central da Espanha, presidido por Mariano Rajoy, considerou o referendo ilegal e inconstitucional, e tentou impedir a sua realização por meio de medidas judiciais, policiais e administrativas, tendo sido marcado por uma forte repressão das forças de segurança espanholas, que causou centenas de feridos entre os eleitores catalães.

Apesar das dificuldades, o referendo teve uma participação de cerca de 43% do censo eleitoral, dos quais 90% votaram a favor da independência. Em 10 de outubro, Puigdemont declarou simbolicamente a independência da Catalunha, mas suspendeu os seus efeitos para buscar um diálogo com o governo espanhol. Em 27 de outubro, o parlamento catalão aprovou uma resolução que proclamava a república catalã, com o apoio dos partidos independentistas.

No mesmo dia, o governo espanhol aplicou o artigo 155.º da Constituição, que lhe permitia assumir o controlo direto da Catalunha, destituir o governo regional, dissolver o parlamento e convocar novas eleições autonómicas para 21 de dezembro, iniciando também processos judiciais contra os líderes independentistas, acusando-os de crimes como rebelião e sedição. Alguns deles fugiram para o exílio, enquanto outros foram presos preventivamente.

A declaração de independência da Catalunha não teve reconhecimento internacional, nem apoio suficiente da sociedade catalã e a situação política continua sendo complexa e incerta, com um conflito latente entre o nacionalismo catalão e o constitucionalismo espanhol.

Em suma, como se pode constatar os referendos são uma ferramenta importante para a participação dos cidadãos, mas devem ser usados com cautela e respeito pelo Estado de direito e devem ser complementados por outras formas de democracia representativa e deliberativa, que garantam a inclusão e a diversidade de opiniões na tomada de decisões coletivas.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *