ISABEL MEIRELLES

DERROTAR O GENERAL INVERNO

As diferentes crises da Europa no século XXI, nomeadamente a crise de 2002-2008, a crise do euro, a da pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, a agressão da Rússia à Ucrânia que desencadeou uma guerra de efeitos ainda imprevisíveis, conduziu à conclusão de que é necessário dotar a União Europeia de mecanismos que possam combater crises futuras.

Ofacto de a União ser uma entidade única que congrega vários Estados soberanos, com diversas dimensões, culturas e pontos de vista, aumenta a dificuldade na busca de soluções comuns.

Não obstante, os países e as instituições da União conseguiram pôr-se de acordo quanto à criação do MRR – Mecanismo de Recuperação e Resiliência, instrumento central do NextGenerationEU.

O MRR assenta em seis pilares, a saber, transição verde, transformação digital, crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, coesão social e territorial, saúde e resiliência económica, social e institucional e políticas para a próxima geração.

Portugal também apresentou o seu Plano de Recuperação e Resiliência para poder aceder às respetivas verbas, que têm de prever uma dotação, pelo menos, de 20% para a transição digital e de 37% para a transição climática, podendo solicitar pagamentos até duas vezes por ano, decorrentes do cumprimento das metas definidas e deve ser finalizado até agosto de 2026, devendo o último pagamento ser efetuado até dezembro daquele ano.

Na sequência da invasão russa da Ucrânia, a Comissão Europeia adotou o plano REPowerEU no sentido de pôr fim, o mais depressa possível, à dependência dos combustíveis fósseis da Rússia, avançar rapidamente com a transição climática, aumentando a resiliência do sistema energético à escala da União, flexibilizando as regras dos auxílios de Estado previstos nos tratados e nos atos subsequentes adotados neste domínio.

A Comissão apresentou uma proposta para operacionalizar o REPowerEU, recorrendo ao MRR, devendo os Estados adicioná-lo aos PRR nacionais, o que aumentará substancialmente as verbas para esta almejada autonomia.

DEPENDÊNCIA DO EXTERIOR

Apesar do peso crescente das energias renováveis, a União continua muito dependente do exterior.

Com efeito, a União importa 58% da sua energia e 90% do gás que consome, sendo a Rússia responsável por cerca de 45% destas importações. Também cerca das 25% das importações de petróleo e 45% das importações de carvão provêm da Rússia, o que demonstra a tarefa titânica que a União tem pela frente para reduzir a sua dependência energética e diversificar as fontes de aprovisionamento de energia fazendo, concomitantemente, a transição para as energias limpas.

Ou seja, no imediato, o próximo inverno, que se prevê rigoroso a vários níveis, está a ser preparado, tendo-se já obtido por parte dos Estados-membros um acordo político que prevê a adoção de uma estratégia para que a fatura energética possa ser reduzida para os consumidores domésticos, mas também para as micro, pequenas e médias empresas.

Esta estratégia desenvolve-se em quatro eixos, o primeiro dos quais é a redução voluntária de 10% do consumo bruto de eletricidade e a redução obrigatória de 5% no consumo nas horas de ponta.

O segundo eixo centra-se na limitação de receitas dos produtores de eletricidade inframarginais como, por exemplo, as energias renováveis ou nuclear, sendo estabelecido um valor máximo de 180 euros/M Wh, embora caiba aos Estados definir as medidas para arrecadar e distribuir este excedente no apoio aos consumidores finais de eletricidade.

O terceiro eixo diz respeito à criação de um imposto temporário, uma contribuição solidária, imposta às empresas energéticas que recorrem aos combustíveis fósseis e que, devido à guerra, estão a beneficiar de lucros extraordinários, os quais serão aplicados no apoio financeiro a empresas e famílias, mitigando os efeitos dos elevados preços da eletricidade.

Este imposto incidirá sobre o lucro tributável que tenha aumentado acima de 20%, em relação à média dos lucros de 2018, de acordo com as regras fiscais de cada Estado.

Finalmente, o último eixo situa-se no apoio às PME em que os Estados, nomeadamente Portugal, podem fixar um preço temporário para o fornecimento de eletricidade e, a título excecional, esse preço pode ser mesmo fixado abaixo do seu custo. Vivemos tempos complexos, instáveis e imprevisíveis mas, uma vez mais, se comprova que a união de esforços dos 27 Estados da União Europeia pode ser a panaceia para evitar uma catástrofe anunciada e ultrapassar, sem danos maiores, o inverno de mais esta crise.

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