ZIMBABUÉ, MUGABE, O AUTOCRATA OBCECADO PELO PODER – Robert Mugabe, antigo presidente do Zimbabué, morreu em Singapura no passado dia 6 de setembro, com a respeitável idade de 95 anos, sendo que muitos consideraram, neste final, que apenas a sua idade era merecedora de respeito. Durante 37 anos no poder, Mugabe conseguiu expulsar os ingleses e depois levar o seu país à ruína, o que é, bastas vezes, uma triste realidade em África, quando o herói da descolonização se transforma num tirano implacável e corrompido. Mugabe nasce na então Rodésia do Sul e estudou História e Inglês na África do Sul, onde conheceu várias personalidades do nacionalismo africano e onde trava conhecimento com o marxismo. Regressado ao seu país, persegue um único objetivo, que é o de expulsar os colonos britânicos brancos minoritários, para o que cria o seu próprio partido independentista. É preso e no cativeiro estuda Direito e Economia. Mais tarde, refugia-se em Moçambique para organizar a luta armada pela independência, o que acontece em 1980, tornando-se primeiro-ministro de um novo Estado denominado Zimbabué. Julius Nyerere, que conhecera Mugabe quando ainda eram estudantes e que foi presidente da vizinha e pobre Tanzânia, disse-lhe, no dia da independência, que este tinha herdado uma joia e pediu-lhe para tomar bem conta dela. Nyerere tinha razão, porque a antiga Rodésia do Sul é, ainda hoje, um país magnífico, dotado de imensas riquezas, de terras férteis, com um clima propício à agricultura, em especial de tabaco, café, chá, cana-de-açúcar e à criação de gado, com um subsolo igualmente rico com vastas reservas de platina, ouro, lítio e crómio.
Em suma, todas as condições estavam reunidas para que a independência fosse um sucesso enorme, e mesmo os brancos que ficaram no país reconheceram-no sem rebuço dizendo que, mesmo para um comunista, Robert Mugabe “até tinha bom ar!”. Porém a lua de mel não durou. Mugabe empreendeu uma reforma agrária, procedendo à expropriação das terras detidas pelos brancos e entregando-as aos fiéis do regime que não tinham nem os conhecimentos nem as técnicas para o seu cultivo e, em poucos anos, o antigo celeiro da África Austral foi devastado, e a população mergulhou na pobreza, na fome e na miséria! Não obstante, é reeleito presidente em 1987 e em todas as eleições subsequentes, à custa de fraudes e de manipulações eleitorais. Apesar de ter sido criado um partido da oposição em 2000, a situação não se altera e antes se agrava, mergulhada numa hiperinflação alucinante, onde os produtos alimentares escasseiam e a penúria de combustíveis se instala.
A população sofre cada vez mais, mas tem de aguentar o espetáculo improvável do casal presidencial que vive na ostentação, no fausto e na abundância. Com efeito, Mugabe casou em 1996 com a sua ex-secretária Grace Mugabe, 41 anos mais nova do que ele, apelidada de Grace Gucci, devido aos seus gostos luxuosos e que pretende ser licenciada em Literatura e Sociologia, quando é apenas uma simples datilógrafa, tornando-se rapidamente a mulher mais detestada do Zimbabué. Porém, os verdadeiros licenciados estão sem trabalho, pelo menos aqueles que não abandonaram o país. Estes são fruto de um excelente sistema escolar herdado dos britânicos, um dos melhores de África, onde a taxa de alfabetização atingiu os 80%, uma das mais elevadas do planeta. A deterioração económica continuou a acelerar, o défice orçamental sobe até aos 13% do PIB, com uma taxa de 90% de desemprego, em que crianças morrem de inanição nas ruas, enquanto um bolo de 150 kg é confecionado para o aniversário do presidente. Nesta altura, a pressão internacional aumenta. Entre janeiro e outubro de 2017, Mugabe gasta 30 milhões de dólares em viagens e agarra-se, com obstinação, ao poder. Contudo, quando Grace Mugabe pede oficialmente para ser a herdeira do poder do seu marido, o copo transborda, o exército intervém e ambos são colocados em prisão domiciliária.
Robert Mugabe apresenta a demissão a 21 de novembro de 2017, mas consegue negociar com os militares 8 milhões de euros de indemnização pela sua saída, um salário anual perpétuo de 125 mil euros, o pagamento integral das despesas de saúde e total imunidade. Para um homem da sua idade, os generais que negociaram sabiam que um salário vitalício não os iria onerar por muito tempo, sendo que pretendiam evitar-lhe o exílio e sobretudo o derramamento de sangue. Por esta última negociação, podemos medir o enorme poder exercido até ao fim por Mugabe sobre o seu povo e o seu país. No seu discurso de tomada de posse, Emmerson Mnangagwa, o novo presidente do Zimbabué, saudou a “enorme contribuição” do seu antecessor, a quem a imprensa britânica chamava de Hitler negro.
Mugabe foi considerado o campeão da reconciliação racial quando chegou ao poder nos anos 1980, mas quando foi derrubado, o povo celebrou a sua deposição. Era considerado como um autocrata obcecado pelo poder, que incentivou os esquadrões da morte, que viciou eleições e que arruinou a economia de um país próspero, apenas para se manter no cargo de Presidente.