ISABEL MEIRELLES

ARGÉLIA O FIM DA ERA – A Argélia fica mesmo do outro lado do mar Mediterrâneo, distando apenas 1h45m de voo de Lisboa. Preocupantemente, desde há várias semanas que manifestações pacíficas mobilizam dezenas de milhares de argelinos que recusam a candidatura de Abdelaziz Bouteflika para um quinto mandato presidencial.
Bouteflika está no poder há 20 anos e tem agora 82 anos. Porém, desde 2005 que a sua saúde se tem vindo a deteriorar significativamente, sofre de paralisia parcial e só se desloca em cadeira de rodas.Claro que esta situação leva a que muitos duvidem da sua real capacidade de governar, reivindicando, assim, a renovação da classe política que tem, aquando das eleições, reconduzido sistematicamente as mesmas pessoas.
No sentido de travar a crise, o presidente desistiu do quinto mandato, mas ampliou o seu atual mandato e as eleições presidenciais foram adiadas indefinidamente! Resultado: os argelinos que exigiam eleições e a partida de Bouteflika veem-se de repente com o mesmo Bouteflika e sem eleições!
Contudo, Abdelaziz Bouteflika goza, há muito tempo, de um prestígio considerável no seu país, depois de uma guerra de oito anos contra a França, em que a Argélia conquistou a independência em 1962, onde participou na luta anticolonial, tendo-se tornado ministro nos primeiros governos do país. A sua imagem, porém, é maculada nos anos 1980, quando foi forçado ao exílio, acusado de extorsão e desvio de fundos. Volta ao poder durante a terrível guerra civil da década de 1990, tornando-se Presidente da República no final de uma década sangrenta, onde se rodeou de um verdadeiro clã que monopoliza, firmemente, todo o poder. Porém, a partir de 2010 soa um sério alerta, quando a Primavera Árabe incendeia vários países, sobretudo no Norte de África e no Próximo-Oriente, com consequências muito diferentes.

Mudanças sem precedentes
Na Tunísia, no Egipto e no Iémen, os chefes de Estado são apeados do poder, na Líbia, Kadafi é morto, o que desencadeia uma guerra civil que também se estende à Síria e ao Iémen. Em Marrocos a Constituição muda, bem como o Governo na Jordânia, e assiste-se, concomitantemente, à formação de novos governos islamitas, nomeadamente no Egipto, na Tunísia e em Marrocos.
Contudo, entre todos estes países, aquele que foi menos atingido por estes movimentos foi a Argélia, um dos poucos a poder conter os danos, apesar de terem ocorrido algumas manifestações que, no entanto, não alastraram. Para acalmar os ânimos, o presidente Bouteflika prometeu uma reforma constitucional, mas 10 anos depois os argelinos continuam a esperar que a promessa se cumpra.
Então, por que razão a Primavera Árabe não mudou nada na Argélia? Em grande parte, graças ao petróleo do Sara argelino que, já no final do período colonial, tinha sido uma das chaves negociais entre a França e os nacionalistas. Os hidrocarbonetos asseguraram à Argélia enormes rendimentos durante quase meio século e representam, ainda hoje, a quase totalidade das exportações nacionais.
Contudo, o maná petrolífero diminuiu fortemente e a queda do preço do petróleo deteriorou fortemente a economia nacional. Com efeito, desde 2014 que os rendimentos petrolíferos do país caíram cerca de 70%, os quais nem sequer foram aplicados para modernizar o Estado e apenas serviram para comprar a paz social ao aumentarem os salários dos funcionários e ao baixarem os preços dos produtos de primeira necessidade.
Hoje em dia os preços sobem perigosamente e um quarto dos jovens de menos de 25 anos está no desemprego. Como consequência, o povo revolta-se, mas o presidente já não tem meios de o acalmar.

De olhos postos
Após a Primavera Árabe e, sobretudo, depois da crise dos migrantes, a Europa inteira tem os olhos postos na Argélia. A começar pela França, porque os laços com a antiga colónia continuam estreitos, mas também pelos países do Mediterrâneo que, em primeira linha, são visados pelos movimentos migratórios da região.
A Argélia tem fronteiras comuns com a maior parte dos países da África do Norte que estão destabilizados pelo islamismo, a guerra civil, as migrações ou, simultaneamente, por todas estas ameaças. Talvez, com exceção de Marrocos, todos os vizinhos da Argélia, desde a Tunísia ao Mali, passando pela Líbia ou a Nigéria, entre outros, apresentam riscos sérios e potenciais de convulsões perigosas.
Se a situação se vier a degenerar, é o Magrebe inteiro que vai sofrer e, por contágio, também a Europa, que, neste momento, é a última coisa que precisa. Em política, a alternância é uma virtude primordial e a Argélia merece tê-la, o mais depressa possível.