REGRESSO ÀS ORIGENS DO GOVERNO DA COISA PÚBLICA
Numa altura em que a União Europeia parece desorientada, até porque os líderes europeus estão regularmente a ser sufragados pelos respetivos eleitorados que ditarão a sua continuação ou retirada do projeto nacional e também europeu, cabe perguntar qual é a filosofia de governação que lhe está subjacente, o modelo teórico que lhe está ínsito na tomada de decisões. E esta questão vale, com mais ou menos acuidade, para os 27 Estados-membros, incluindo Portugal. Neste sentido, é bom voltar à antiguidade clássica e sobretudo a pensadores como Aristóteles e, posteriormente, Cícero, que elaboraram os fundamentos da governação da hodierna sociedade ocidental e sobre cujas ideias urge refletir. Assim, Aristóteles defendia, já no século IV a.C., que a melhor forma de governo é uma república, considerada como o governo da maioria, exercido no respeito da legalidade e do primado do direito, de forma sã e no interesse de todos. Na sua obra A Política, Aristóteles chama a atenção para o perigo das revoluções em que a principal causa é o desejo de igualdade. Ora, para evitar este perigo, defende o pensador que “nas democracias (governo dos pobres) os ricos devem ser poupados e nas oligarquias (governo dos ricos), deve-se tomar o maior cuidado com os pobres”. Isto porque estes precisam de maior apoio do Estado, enquanto os ricos apenas precisam de não ser perseguidos. Aristóteles defendia, assim, como modelo ideal de governação uma república de classes médias que, sem perseguir ou destruir a classe dos ricos, tomasse todas as providências que pudesse a favor dos mais pobres. Cabe então perguntar se, designadamente no caso português, os ricos estão a ser poupados, os pobres a ser protegidos e sobretudo se, no meio dos extremos, a classe média não está a ser esmagada, sendo atirada para franjas que, em geral, estarão sempre mais perto da classe dos mais desfavorecidos. Cícero, embora tenha sido muito influenciado por Aristóteles, foi ainda mais além do que o seu antecessor nos desenvolvimentos de uma ciência política ideal no governo da república. Tendo vivido no século VI a.C., defende na sua principal obra, De República, que todos os cidadãos têm o dever de participação política e traz desenvolvimentos ao pensamento de Aristóteles, ao defender a distribuição do poder governativo pelos diferentes estratos sociais, bem como a liderança por um homem, hoje em dia também por uma mulher, que mande e que comande a direção e execução da política traçada. E este líder teria que ser escolhido de entre os melhores, como é escolhido o timoneiro de um barco que se está a afundar, e deveria ser respeitador das leis e do direito natural, entendido de origem divina, e, por isso, aceite universalmente. Considera, assim, que a democracia, enquanto entendida como o governo dos mais pobres, “é o pior dos regimes porque a multidão quando entregue a si própria, com os seus apetites, a sua cegueira, os seus abusos de poder, é o pior dos tiranos”. Com este quadro mental simples, quiçá simplista mas profundamente claro, parece-me fácil dar um rumo lógico e coerente às políticas que estão a ser seguidas em Portugal, na Grécia e nos restantes países da União Europeia. Políticas de equilíbrio que não ponham em causa, pelo menos em excesso, nenhum dos estratos sociais, distribuindo sacrifícios equitativamente, de molde a que os equilíbrios se mantenham. Já agora, sugiro que se recomende aos responsáveis da troika e lideres políticos europeus a leitura do essencial do pensamento político de Aristóteles e de Cícero, como repositório de valores da Antiguidade que perduraram até aos nossos dias e que se mantêm com imensa atualidade.