O ESTILHAÇAR DA EUROPA
Devem ter existido poucos períodos tão conturbados na história da Europa e em especial da União Europeia, e é preciso uma enorme vontade para encarar com otimismo este nosso comum e incerto futuro. O dealbar deste século trouxe três alargamentos a 13 Estados, o que pode coincidir com uma superstição numérica, com a entrada em circulação do almejado euro, acompanhado de regras muito estritas em relação ao défice e à dívida pública. A partir daí a situação internacional, sobretudo após a débacle da Lehman Brothers, contagiou o sistema financeiro com o concomitante surgir da crise das dívidas soberanas, a começar na Irlanda, a continuar por Portugal e Espanha e esperamos todos que termine na Grécia, que foi barómetro, durante meses, de teorias políticas e económicas de jogos aventureiros de extrema-esquerda que deixaram o país mais arruinado do que antes da subida do Syrisa ao poder. E este é um dos múltiplos fatores internos de instabilidade interna da União Europeia que desconfia de um primeiro-ministro que vota contra um acordo com a troika, mas que o assina em moldes contranatura, sobretudo porque contém medidas que são contrárias ao programa ideológico do seu partido, como cortes nas pensões, salários e muitas outras benesses sociais e fiscais, colocando-se, assim, a dúvida legítima da viabilidade do seu cumprimento. Também na Escócia se deu um referendo cujo resultado fez os europeus suspirarem de alívio, mas que os mantém em suspenso na expetativa de um outro, mais grave e vasto, que vai questionar a permanência do Reino Unido na União Europeia. Porém, os movimentos separatistas continuam a recrudescer, como aconteceu nas eleições autonómicas da Catalunha em que os movimentos pró-independência, embora sem terem uma maioria absoluta de votos, alcançaram uma maioria de deputados no respetivo parlamento, colocando mais um elemento de instabilidade nesta região e noutras que almejam uma cisão com os respetivos Estados como na Bélgica, Itália, Reino Unido ou França, com desenvolvimentos verdadeiramente incertos e desconhecidos. A questão da pressão migratória de África e do Médio Oriente e do consequente encerramento de fronteiras por parte de muitos países, embora com a aceitação de milhares destes refugiados no território europeu, coloca, em caso da sua não integração e absorção, questões complexas, designadamente de ordem e de segurança pública, mas também do receio de uma islamização da Europa, de matriz cristã, que alimenta exponencialmente os movimentos e os partidos de extrema-direita. Neste caldeirão onde fervilha uma multiplicidade de variáveis que tem remetido as soluções para o nível intergovernamental, em detrimento do nível supranacional, apenas podemos esperar que a União ultrapasse serena, mas firmemente, estas e outras questões, sob pena de assistirmos ao rápido estilhaçar do projeto europeu e, sobretudo, da paz e prosperidade que nos proporcionou durante décadas.