A DÍVIDA TRANSFORMADA EM DÚVIDA
Na altura em que escrevo este texto não sabemos qual vai ser o desfecho do referendo grego, ou sequer se ele vai existir, mas convém refletir sobre estes movimentos extremistas que demonstram uma irresponsabilidade e imaturidade total face àquilo que é o bem do seu país, da Europa e quiçá do mundo. Com efeito, a forma arrogante e desleal como os governantes gregos têm vindo a conduzir as negociações, com avanços e recuos face aos credores, instituições e parceiros europeus, com meias verdades e muitas mais inverdades, com jogos de sombras que só criaram um ambiente de pouca confiabilidade, a ponto de se duvidar de que mesmo que tivesse havido um acordo, ele pudesse alguma vez ser cumprido. Tsipras e os seus parceiros de governação acusam a União Europeia de falta de solidariedade por não querer cumprir as promessas irrealistas do Syrisa de erradicar a austeridade. É caso para perguntar, entre muitos outros exemplos, se o perdão de metade da dívida da Grécia, em que todos os parceiros europeus ficaram com grande exposição à dívida grega, a começar por Portugal com 2,6% do PIB, se os empréstimos do BCE aos bancos gregos, que ultrapassam montantes superiores àqueles que a troika cedeu ao nosso país, não são exemplos de solidariedade suficiente. Além do mais, o governo grego põe-se na posição de incumprimento voluntário e, mesmo assim, mantém a postura de exigir mais dinheiro à União Europeia, no caso ao Mecanismo Europeu de Estabilidade, usando-o para extorquir dinheiro que é de todos os europeus, sem qualquer mandato para decidir sobre o bolso de todos nós. Tudo porque confia no seu maior trunfo de que sendo 61% da dívida grega detida pelos europeus, a Grécia não se pode afundar ou sequer sair da moeda única, sob pena de arrastar todos os Estados-membros e acabar com o projeto europeu sonhado com muito força, dedicação e, sobretudo, de uma forma utópica que se foi paulatinamente concretizando. Já sabemos que os gregos não querem austeridade, mas a verdade é que ninguém gosta dela. Contudo, apresentar propostas em que 90% do ajustamento depende do lado da receita, no essencial, através do aumento de impostos e só com 10% de redução do lado da despesa, significa inevitavelmente um fracasso, dado que este desequilíbrio é comprovadamente inimigo do crescimento, impossibilitando a Grécia de alcançar sustentabilidade das contas públicas e crescimento económico. Quer gostemos, ou nem por isso, o problema dos gregos são os próprios gregos que, durante anos, não tomaram medidas reformadoras na máquina fiscal, na justiça, no mercado laboral e em tantos outros tantos setores da Função Pública e nunca combateram a desorganização e a corrupção que mina o país. Lamentavelmente, até porque mitologicamente a Europa nasceu na Grécia e etimologicamente aquela significa alguém que vê ao longe. Espero que esta visão larga chegue para ultrapassar todas as dúvidas e todas as dívidas que neste momento ensombram o projeto europeu.