ISABEL MEIRELLES

meirellesUMA TRAGÉDIA GREGA

Aristóteles teorizou a tragédia como tendo por função provocar, por meio da compaixão e do temor, a expurgação ou purificação dos sentimentos, a chamada catarse, o que explicaria a razão pela qual as pessoas gostam de assistir a sofrimentos dramatizados. Esta deve possuir personagens de elevada condição, como heróis, reis ou deuses, ser contada em linguagem elevada e digna e ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou vários personagens sacrificados pelo seu orgulho ao tentar rebelar-se contra as forças do destino. Ora desde que o Syriza formou Governo que muitos destes elementos começam a estar presentes. Antes de mais, os heróis anti-austeridade e anti-troika que começaram com Aléxis Tsípras, mas que se aprofundaram com Yanis Varoufakis, este dotado de características físicas e de personalidade que começam a rivalizar com estrelas de outros firmamentos. E este pode ser um dos primeiros elementos da tragédia, dado que o palco da notoriedade vai mais para o ora ministro das Finanças, com uma legião de admiradores e seguidores que podem levar a sentimentos de secundarização e de inferioridade do agora chefe do Governo grego, logo a eventuais confrontos, em situações tão difíceis como seja a de compatibilizar a assunção de compromissos, como o pagamento da dívida com o aumento dos ordenados e a baixa dos impostos, sobretudo no atual contexto calamitoso de fuga de capitais e de esvaziamento dos cofres do Estado. Por outro lado, as dramatizações são a arma estratégica de condução dos destinos dos gregos, como abundantemente se tem referido nos confrontos sucessivos com os outros parceiros da União Europeia, em que a calamidade e a catástrofe social e humanitária, a saída do euro e da União Europeia têm sido, através de uma comunicação exímia, de uma linguagem elevada e digna da tragédia, os instrumentos inteligentemente escolhidos. E para contribuir para um final triste e destrutivo, a coligação espúria, com os Gregos Independentes, o ANEL – um partido de direita nacionalista que apenas tem em comum com o Syriza ser um opositor feroz às medidas de austeridade e que defende que a dívida grega deve ser considerada impagável, quer os credores gostem ou não – vai ser, a prazo, um elemento fundamental de fatalidade conflitual. Outro elemento potencialmente destrutivo foi a eleição de um novo Presidente da República, Prokopis Pavlopoulos, um político conservador, que foi ministro do Interior de um Governo da Nova Democracia e que se tornou bastante crítico da receita de austeridade, mas que foi responsável pelo enorme aumento de funcionários públicos do Estado grego, cujos custos das contratações de então pesam, até hoje, nas negociações entre a Grécia e os seus credores. Estão, em suma, congregados todos os elementos desta tragédia grega que pode acabar na destruição dos vários personagens, mas sobretudo no sacrifício exacerbado do povo grego no altar da insensatez dos seus governantes.