ISABEL MEIRELLES

POR UM PROJECTO DE REFUNDAÇÃO EUROPEU

Tem-se especulado muito sobre o excesso de protagonismo dos países membros da União Europeia, que ultrapassa e obnubila mesmo o das instituições europeias, em concreto o da Comissão Europeia, subvertendo a estrutura institucional pensada e cimentada ao longo de todos estes anos de integração europeia. Designadamente, Durão Barroso sabe, enquanto presidente da instituição mais poderosa da União, que este tempo é definitivo para marcar a história do traçado europeu e pretende fazê-lo pelas melhores razões, na qualidade e no papel de salvador deste projecto de unidade. Temos que concordar que o esforço que está a fazer é sobre-humano e que a imaginação o leva a conceber iniciativas inéditas, como o discurso sobre o Estado da União, apresentando-se, qual primeiro-ministro europeu, perante o hemiciclo de Estrasburgo. Vale a pena atentar no essencial do apelo, que em muitos pontos colide com o discurso oficial da chanceler alemã ou mesmo do eixo franco-alemão e, bastas vezes, com o do Conselho Europeu em geral. Este discurso foi muito aplaudido por parlamentares de todos os quadrantes, sobretudo devido à exortação da fé europeia a lembrar o Congresso da Haia de Maio de 1948. Recorde-se este Congresso para a Europa Unida, como foi chamado, onde 800 personalidades de várias tendências se reuniram sob a presidência de Winston Churchill, embora este com uma visão muito própria e quase mercantil, que o Reino Unido mantém até hoje. O próprio Papa Pio XII enviou um representante pessoal especial, demonstrando o empenho da Santa Sé pela união dos povos, como Roma, mais tarde, viria a reconhecer. Este foi um dos poucos momentos da nossa história colectiva, onde os homens de pensamento pareceram liderar os homens de acção. Um tempo em que os poetas pareciam, de novo, mover os povos e em que a lógica do capital era subalternizada. Uma manifestação de massas das elites europeias com 200 parlamentares, 60 ministros e 12 antigos primeiros-ministros. Foi aqui também que pela primeira vez se assumiu a necessidade da eleição de um parlamento europeu por sufrágio universal. Contudo, apesar da concretização deste modo de eleição e apesar deste ingente e forte apelo de fé e de solidariedade, os ideais têm-se vindo a perder no meio das tensões mais emergentes da necessidade de conseguir financiamento para prover ao resgate dos Estados-membros em dificuldades, ou mesmo em risco de incumprimento das metas definidas pela troika e pelos diversos memorandos de entendimento. Nunca a União Europeia passou por um período de tão grande turbulência e incerteza, capaz de pôr em causa o frágil equilíbrio dos países nesta aventura comum de unificação. Penso que se este falir, poderá sempre prosseguir-se por uma via nova que só pode ser a da refundação da Europa, aprendendo com os erros e as lacunas do passado. Este projecto renovado passaria por uma via federal em que todas as dissonâncias, nomea- damente entre um governo monetário intergovernamental, por um lado, e uma política monetária federal, por outro, seriam supridas. Seria, também, adoptado um projecto de Constituição Europeia, que ficaria sujeito à ratificação e a referendo quando permitido constitucionalmente, de todos os actuais Estados-membros. Aqueles países que não concordassem com este projecto refundador, ficariam de fora, num círculo mais intergovernamental, como é hoje o Espaço Económico Europeu. Não gostaria de assistir à falência do actual modelo de integração europeia, mas apesar de todas as vontades vitais de dirigentes e líderes europeus, pode não ser possível continuar por esta via. Porém, a história tem-nos mostrado que muitas das crises servem para purificar os projectos e dar-lhe uma dimensão mais coerente do que a que tinham anteriormente e também uma maior harmonia, que é o que se busca nestes tempos conturbados mas historicamente marcantes.