ISABEL MEIRELLES

isabelA ERA DA PAZ FRIA

Dois momentos marcantes do final da Guerra Fria fixaram-se no ano de 1980, quando Ronald Reagan afirmou a vitória dos Estados Unidos sobre a União Soviética, e no ano de 1992, com George Bush a declarar o fim oficial da Guerra Fria. Antes, em setembro de 1991, as repúblicas bálticas da Letónia, Estónia e Lituânia tornavam-se independentes, e em 1 de dezembro do mesmo ano era declarada a independência da Ucrânia, aprovada em plebiscito por 90% da população. O início desta segunda guerra fria começou quando a Rússia começou a ver o seu poderio e esfera de influência a diminuir, designadamente a não gostar de perder os seus territórios, tornados independentes, que foram, sucessivamente, aliciados financeiramente com alianças económicas e militares a ponto de o penúltimo alargamento da UE ter integrado 10 países da esfera de influência da ex-URSS. Tudo recomeçou em 2008 com a Rússia a anexar a Ossétia do Sul e a Abecásia, repúblicas separatistas da Geórgia, com o Ocidente a reagir com frágeis protestos a esta violação do direito internacional, sendo que em 2014 este mesmo bloco estava disposto a esquecer, novamente, a anexação da Crimeia, não fosse a história repetir-se em Donestsk e Lugansk. Só que a estratégia desta vez, liderada por Putin, é mais inteligente e visa, para já, fazer implodir a Ucrânia e destruí-la por dentro, a começar pelo Sudoeste do país, não fazendo uma invasão clássica e aberta por tropas russas, cujo envolvimento sempre negou, mas apoiando as forças separatistas pró-russas e declarando que os conflitos eram apenas do foro interno daquele Estado. Este cenário visa agudizar a crise ucraniana, destruir a sua economia e, em consequência, provocar uma crise social que leve a depor o governo de Kiev e a substitui-lo por um regime fiel a Moscovo, obrigando à aceitação das exigências dos separatistas que reivindicam a manutenção da língua russa, um estatuto especial para as forças armadas, a possibilidade de nomear juízes e procuradores, uma união alfandegária com a Rússia e o poder de vetar a aproximação à Nato ou à União Europeia. O Ocidente, por seu turno, tem musculado o programa de sanções que, para além de congelar bens de líderes e oligarcas russos, proibindo a sua circulação no espaço europeu, atinge agora pela primeira vez bancos, petrolíferas e empresas de defesa russas, impedindo a possibilidade de se financiarem no mercado europeu de capitais, até que haja um cessar-fogo e um processo de paz estabilizado. Por seu turno, a Rússia retalia, embora não o possa fazer segundo a pena de talião, pelo menos no que concerne aos produtos agrícolas dos quais depende em 40% do Ocidente, mas ameaça também impedir a importação de automóveis e fechar o espaço aéreo europeu, o que pode levar ao colapso de algumas companhias de aviação. Neste processo, a que chamo de Paz Fria, que visa criar uma Novorrossya, designação que os separatistas dão aos territórios que querem tornar independentes, a Rússia age agora isoladamente, sem liderar nenhum bloco de nações ou ideologia, o que a pode tornar mais perigosa, dado não existir nenhuma oposição credível a contrariar esta estratégia perigosa que, no limite, pode conduzir a um confronto bélico com o Ocidente.