ISABEL MEIRELLES

isabelA DÉBACLE DA UNIÃO

Parece que a memória dos povos é curta, e decorridos cerca de 70 anos de uma Europa devastada e cheia de feridas em que, miraculosamente, das fraquezas se fizeram forças e os egoísmos deram lugar a um projeto de união, eis que nestas eleições para o Parlamento Europeu as angústias e os medos antigos renascem cheios de metáteses. Não é compreensível que a pátria da Revolução Francesa consiga fazer ressurgir o ideal nazi no seu esplendor, mascarado de poção mágica para tirar o país das dificuldades, seja na vertente económica, social ou política com slogans anti-Europa, contra a emigração e a devolução da chamada soberania nacional. Não é compreensível que o Reino Unido, país eurocético, é sabido, tenha eleito como primeira formação partidária o UKIP de Nigel Farage, que pugna pela saída do país da União Europeia e promete combate ao desemprego com a expulsão dos emigrantes, sejam eles cidadãos comunitários ou outros. Contudo, também a extrema-direita ficou, na Dinamarca e na Áustria, à frente no score eleitoral, e com posições de relevo na Finlândia e na Grécia onde o partido neonazi Aurora Dourada obteve um terceiro lugar. Até a Alemanha, com um bem-estar invejável e com um governo apoiado por 80% dos seus habitantes, consegue sete deputados do AfD que pugna pela saída do país do euro e, pela primeira vez, como sinal assustador, elege um deputado do partido nazi! Isto sem falar na expressão que os partidos de extrema-esquerda ganharam nesta votação, um pouco por toda a União Europeia. As consequências são de várias ordens. Antes de mais, o processo de construção europeia deixou de ter vida fácil. Com efeito, tendo o Parlamento Europeu poderes legislativos, estes partidos populistas e extremistas, em grupo político ou isoladamente, irão votar contra tudo o que representar um aprofundamento da integração europeia e irão mesmo tentar fazê-la implodir, no limite fazê-la retroceder no seu núcleo sacrossanto que é o mercado interno e a livre circulação. Segunda consequência, é a de deixar que os partidos clássicos do chamado arco da governabilidade extremem posições para agradar aos seus eleitorados, numa tentação de facilidade, em países sacudidos pela crise e por muitas dificuldades; outros, no extremo oposto, em Estados ricos que, na lógica solidária, têm de pagar a crise dos mais frágeis. Terceira consequência, a necessidade de ter num Parlamento Europeu, ainda dominado pelas forças democráticas, um Presidente da Comissão forte e musculado para tempos de guerra, que não se afigura ser o diplomático Jean Claude Juncker, pouco adequado a tempos de emergência. Vai começar a luta pelo poder, mas também pela sobrevivência do projeto europeu, entre instituições e Estados-membros da União Europeia. Esperemos que o entendimento impere e se trave o avanço de partidos que, aproveitando o sistema democrático, exploram o que de pior existe no ser humano: os nossos egoísmos, preconceitos e medos!