A PRIVATIZAÇÃO DO CAVALINHO ENCARNADO
Sou, genericamente, a favor de um Estado mais eficiente, e logo mais magro, que não crie artificialmente empresas públicas ou municipais, institutos e outras formas jurídicas societárias apenas destinadas a alimentar a clientela política dos partidos e a delapidar o orçamento do Estado, dado que a esmagadora maioria delas são mal geridas e apresentam défices que têm contribuído, de forma não negligenciável, para a derrapagem das contas públicas, sendo assim também altamente responsáveis por toda a situação em que nos encontramos. Abro, contudo, uma exceção para os CTT, com cem anos de história, e uma das poucas empresas que são bem geridas e rentáveis e que cumprem uma função de coesão social e territorial, sobretudo no interior e onde, até há pouco tempo, o chefe dos Correios era uma autoridade, investida de jus imperi pela prática reiterada e reconhecida das populações. Para além da distribuição postal, os CTT têm vindo a desenvolver outras atividades nos postos, tais como o pagamento de diversos serviços como água, luz, comunicações, funcionando, acrescidamente, como uma pequena entidade financeira onde os mais idosos têm acesso às suas pensões e reformas e a produtos financeiros seguros. Representam, assim, em muitas localidades do país, o único serviço público de proximidade, desempenhando, deste modo, uma função social inestimável. São, ainda, uma empresa de referência na Europa e no mundo, e dada a sua função de aproximação das pessoas, determinaram a opção, inclusive nos Estados Unidos, de que eles continuassem na esfera pública, nunca tendo sido equacionado sequer a sua transferência para os privados. Em Portugal, porém, não se trata de uma alienação inesperada, antes faz parte do memorando da troika e do pacote inicial de vendas anunciado, de que só restam a RTP e a TAP, esta à espera de alguém interessado que apresente garantias bancárias sólidas.Esta venda pode permitir um encaixe de mais de 500 milhões de euros a demonstrar o que nem os desmandos dos sucessivos governos conseguiram destruir. Espera-se, contudo, que para abater a dívida se não esteja a hipotecar, sem retorno, uma fonte de receitas e sobretudo que não se caia na tentação, como aconteceu noutras alienações, de se privatizarem os ganhos e se nacionalizarem as perdas.Entre 2005 e 2012 os CTT acumularam lucros de 438,7 milhões de euros, pelo que se percebe que seja tão apetecível esta privatização que pode levar a que estes resultados transitados sejam passíveis de ser distribuídos caso os acionistas decidam por um retorno superior aos resultados líquidos e que possa ser uma das empresas de topo no PSI 20.Contudo, a Associação Movimento Revolução Branca introduziu, por causa de toda a situação de rentabilidade e de função social dos Correios, uma providência cautelar contra o Ministério das Finanças e a Parpública, no sentido de impedir a sua privatização, considerando que a empresa cumpre uma das funções fundamentais do Estado previstas na Constituição da República Portuguesa.Qualquer que seja o desfecho, e sobretudo no caso da irreversibilidade da passagem para a titularidade dos privados, o Estado não se pode demitir de uma função crucial de regulação, sob pena da função social e de coesão se perder irremediavelmente.É com nostalgia que vejo o icónico símbolo do cavalinho encarnado estar em vias de ser pintado de cor de burro quando foge, descaracterizando-se uma das melhores marcas nacionais com o sentimento de que, no caso vertente, vão-se os anéis mas também não ficam os dedos.