ISABEL MEIRELLES

COMO ULTRAPASSAR A CRISE DO EURO

Houve um tempo em que ninguém falava ou se interessava pelas questões da União Europeia, nem em termos académicos nem muito menos mediáticos. Como refere o aforismo popular, não há fome que não dê em fartura, pelo que, há pelo menos dois anos, não se fala de outra coisa pela prosaica razão de que, para além de as questões em presença serem graves, nos passaram a tocar, de forma angustiantemente quotidiana, no nível de vida e do nosso bem-estar. Por isso os teóricos tentam ajudar os decisores elaborando soluções múltiplas e variadas, normalmente vertidas em relatórios de grande densidade conceptual, o que não ajuda o leigo fora da matéria, por mais letrado que seja, nem provavelmente a generalidade dos decisores políticos. Nesta linha encontramos o relatório do grupo Tommaso Padoa-Schiopa, saído do grupo do think thank Notre Europe, que tem como mentores personalidades maiores da construção europeia, como Jacques Delors ou Helmut Schmidt. Neste relatório mencionam-se elementos que não constam no debate político habitual, designadamente quando se expende a ideia da conceptualização da União Económica e Monetária, em que os seus criadores consideraram que esta não necessitaria da – agora considerada primordial – união fiscal, dado que a liberdade de circulação de mercadorias, serviços e capitais, deveria, a prazo, eliminar as disparidades existentes entre países e regiões da União Europeia, capaz de suportar uma moeda igual para todos, dispensando assim autoridades de regulação económica, numa crença inabalável na economia de mercado. Porém, a realidade dos factos demonstrou que esta premissa se revelou errónea e agora há que colmatá-la através de um denominado federalismo fiscal que implica, necessariamente, um aprofundamento da união política europeia. Uma das propostas deste relatório é a criação de uma Agência Europeia de Dívida (EDA – European Debt Agency), uma autoridade orçamental com possibilidade de financiamento dos Estados em dificuldade até 10% dos seus respetivos PIB. Em conformidade com o princípio de que a soberania termina quando cessa a solvabilidade, esta Agência poderia, no caso dos países submetidos a fortes pressões dos mercados, permitir o acesso a um sistema suplementar de tranches. Contudo, para obter deste organismo um financiamento superior a 60% do PIB, o país em causa deveria aceitar uma transferência maior da sua soberania orçamental ou empreender uma restruturação metódica da sua dívida, supervisionado, neste caso, por um ministro das Finanças da zona euro. Propõe-se ainda que a ação da Agência seja controlada por um comité misto, composto por 34 membros dos parlamentos nacionais e 17 deputados europeus. Outras medidas propostas por este relatório implicam uma união bancária da União Económica e Monetária, bem como uma autoridade de supervisão bancária única no âmbito desta e, ainda, um fundo de depósito bancário europeu que disporia de capacidade para a resolução de crises. Contudo, mantém-se um problema jurídico dificilmente ultrapassável e que tem a ver com os constrangimentos do Tratado da União Europeia, mesmo com a última alteração introduzida pelo Tratado de Lisboa. Se, no caso da união bancária, o artigo 127.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia prevê que a Comissão determine funções adicionais para o Banco Central Europeu, já no caso de uma nova Agência e de um ministro dos Negócios Estrangeiros, seria necessário um novo Tratado Intergovernamental a 17, assinado e ratificado por todos os Estados-membros da zona euro. O que me parece, contudo, desta proposta, é que ela é demasiado enviesada e cria mais um organismo supranacional, que ninguém sabe como vai funcionar. Na minha perspetiva, as soluções para serem exequíveis têm de ser simples, e assim há que aproveitar as instituições europeias existentes e transferir a autoridade financeira regulatória no quadro dos atuais tratados, sob pena de se continuar a marcar passo em discussões políticas infindáveis, ao sabor de ideologias antagónicas e de calendários eleitorais, com opiniões públicas cada vez mais efervescentes e instáveis.