Os períodos de crise obrigam a tomar consciência de que o Estado, entendido como entidade abstrata com recursos ilimitados, afinal depende das receitas obtidas junto das empresas e dos cidadãos, o que obriga a controlar a despesa. Durante as últimas décadas, a pressão para mais e melhores serviços, num desejo legítimo e crescente, raramente foi condicionada pela limitada capacidade em produzir riqueza e cobrar impostos. Gerimos ao contrário, primeiro a despesa conveniente, depois a receita e, porque nunca chegava, contraíamos empréstimos para financiar o défice. Cada grupo, mais ou menos organizado, reivindicou direitos e interesses, e quem teve mais capacidade para impor pressão e exigir contrapartidas, mais conseguiu. Muitos destes interesses começaram por, a pretexto da demagógica defesa do interesse público, que sempre mobilizou apoios, conseguir legislação que obrigasse a mais e mais exigências, mais serviços privados para os satisfazer, mais organização pública e mais despesa. O que era simples passou a complexo, com teias legislativas, custos de contexto e dificuldades acrescidas para concretizar qualquer investimento ou atividade. O recente pedido de apoio externo e o corte nos rendimentos fez-nos recordar igual pedido na década de 80 do século passado. Para comparar é preciso recordar que a elevada desvalorização da moeda entre 1980 e 1989 reduziu brutalmente o poder de compra dos portugueses. Devido às elevadas taxas de inflação, 100 escudos em 1980 valiam apenas 23 em 1989, implicando uma significativa desvalorização dos salários e aumento dos encargos com dívida. O euro deu-nos o que nunca tínhamos tido, estabilidade cambial, juros reduzidos e estatuto de país com moeda forte e capacidade de endividamento. Infelizmente foi preciso a crise para percebermos a composição da despesa, como é financiada ou reduzida através de cortes, o peso dos impostos e a dimensão da dívida pública e dos juros. Foi um choque conhecer esta realidade e a situação a que chegámos. Apesar de todas as dificuldades nos últimos 18 meses a despesa pública reduziu mais de 12.000 milhões de euros, as dívidas do Estado às empresas também diminuíram substancialmente, pese embora o corte nos orçamentos. No caso específico do Ministério da Justiça, apesar do orçamento de 2012 ter uma dotação com menos 25% do que em 2011, foi possível reduzir a dívida a mais de 90 dias de 53,5 milhões de euros no final de 2011, para 7,3 milhões de euros no final de 2012 e encerrar o ano com um saldo positivo de 42,4 milhões de euros, sem ter sido posto em causa o serviço público. A crise obrigou-nos a um rigor orçamental e a uma racionalização que nunca deveriam ter desaparecido, questionando a despesa antes de se assumir o compromisso, de forma direta ou com parcerias. A redução da despesa e do défice são condições essenciais para credibilizar o país e diminuir os encargos com os juros da dívida pública. O nosso problema não é o euro, mas a necessidade de aumentar a produção de riqueza para suportar a despesa que assumimos. É esse o grande desafio.