FERNANDO SANTO

COMO SE DESTRUIU O MERCADO DE ARRENDAMENTO 

Na época atual acentuou-se a necessidade de arrendar em vez de comprar. No entanto, não tem havido um ambiente político de confiança que promova um verdadeiro mercado de arrendamento, com alterações legislativas estabilizadas, com direitos e deveres, e com o Estado a assumir a sua função social, quando necessário. 

Um eficiente mercado de arrendamento é imprescindível em qualquer sociedade, sendo a oferta maior nos países mais ricos e desenvolvidos. A média de habitação arrendada na UE é de 30%, com mais de 50% na Alemanha. A Suíça tem uma taxa superior a 57%. 

Na época atual acentuou-se a necessidade de arrendar em vez de comprar, porque: (i) há mais mobilidade ao longo da vida, com mudança de emprego, de cidade e país; (ii) os divórcios em cada ano já atingem mais de 70% dos casamentos; (iii) é crescente o número de famílias sem capacidade financeira para comprar uma casa e pagar a entrada inicial; (iv) o número de imigrantes entrados em Portugal nos últimos 10 anos foi de 1,2 milhões e (v) há mais famílias de um único elemento. 

Contudo, apesar de a procura ser elevada, há muitas casas devolutas, prédios em ruínas e o investimento é reduzido, apesar de existirem poupanças de centenas de milhares de milhões de euros. Uma parte poderia ser investida no mercado de arrendamento, mas não é, o que nos leva a interrogar sobre as causas e respostas para inverter a situação. 

O mercado de arrendamento exige confiança por parte de quem arrenda e a legislação deve ser equilibrada. A retoma da posse do imóvel em caso de não cumprimento do contrato por parte do inquilino, nomeadamente, não pagando a renda, utilizando a habitação para outros fins, ou subarrendando, é uma das matérias críticas, não devendo o senhorio ser obrigado a assegurar a função social do Estado, quando tal se justificar. 

No início da década de 70 do século passado, cerca de 50% da construção de habitação era destinada ao mercado de arrendamento e uma parte das poupanças investida em casas para arrendar. Em 2001 os contratos de arrendamentoestavam reduzidos a menos de 20% dos alojamentos habituais. 

Medidas adotadas 

E qual foi a receita para destruir o arrendamento? A partir do final de 1974 e em 1975, com a deriva da revolução para impor um regime totalitário, designado por PREC, foi permitido e até fomentado por alguns partidos o ataque à propriedade. 

Alargou-se o congelamento das rendas a todo o país. Lisboa e Porto já tinham as rendas congeladas, mas a inflaçãoera muito reduzida. Só que, entre 1974 e 1993, a taxa de inflação acumulada atingiu 350%. Uma renda de 100 escudos de 1974 passou a valer 23 escudos em 1993. 

Na mesma linha, foram fixados os valores máximos de renda nos prédios antigos, e imposta a obrigação de arrendar. Os contratos de arrendamento passaram a vitalícios, o que só terminou em 1991, mas os anteriores a 1991 mantiveram as rendas congeladas obrigando os senhorios a assumir a função social do Estado. Acresce a proibição de despejar os inquilinos que não pagavam a renda e os inquilinos com mais de 65 anos mantiveram as rendas vitalícias.  

É difícil imaginar outra atividade sujeita a medidas semelhantes. Se estas regras tivessem sido aplicadas aos táxis, transportes públicos e outros serviços, não teríamos transportes, ou teríamos viaturas com mais de 50 anos. 

As consequências são evidentes, deixou de haver mercado de arrendamento, mantendo-se o que existia em prédios sem conservação, até os inquilinos falecerem ou os prédios ruírem. Durante os 40 anos de destruição do mercado de arrendamento os centros das cidades ficaram desertos, os edifícios degradados e muitas habitações foram arrendadas para escritórios, pois o regime era mais favorável. 

Em 2017, cerca de 80% dos escritórios localizados em Lisboa, com área inferior a 200 m2, utilizavam edifícios de habitação. Lisboa perdeu 255 mil habitantes entre 1981 (807.937 habitantes) e 2011 (552.700 habitantes), o que contraria as causas que nos últimos anos têm sido apontadas para a perda de população. A mentira suportada pela ideologia utiliza o esquecimento para reescrever a história. 

Mercado reduzido 

De 1,1 milhões de contratos de arrendamento existentes em 1981, o mercado ficou reduzido a 740.000 em 2001. Sem mercado de arrendamento, as famílias têm como única alternativa a compra de casa com endividamento, e as que não têm meios desesperam. 

Mas há ainda uma grave consequência que tem sido ocultada. Os inquilinos “privilegiados” com o congelamento das rendas foram envelhecendo, tal como os edifícios, mas ninguém se preocupou com as condições indignas em que vivem. Hoje são milhares os idosos, sem mobilidade, que vivem “presos” em prédios degradados sem elevador. Para esses nunca houve um programa de habitação social. 

A Lei do Arrendamento Urbano de 2012 estabeleceu alguma justiça no anterior desequilíbrio, e por isso o número de contratos de arrendamento aumentou 16,2%. Neste regime ficou estabelecido que ao fim de cinco anos os inquilinos com rendas antigas passariam a ter uma atualização das rendas e o Estado daria um subsídio de renda assumindo a sua função. Mas, a partir de 2016 verificou-se, de novo, um ataque aos senhorios. Foi adiado o apoio às rendas congeladas, aplicado o AIMI e, em 2023, apesar do aumento legal das rendas ser de 5,44%, o Governo fixou em 2%, ou seja, a lei só existe quando convém. 

Há na realidade uma diferença entre a mensagem que é transmitida sobre o mercado de arrendamento e a realidade.Segundo os Censos de 2021, a renda média do país era de 324€. Ainda existiam 150 mil contratos de arrendamento com rendas antigas, anteriores a 1991, e 120 mil famílias pagavam menos de 200€. 

O problema está identificado e as soluções também, mas não tem havido um ambiente político de confiança que promova um verdadeiro mercado de arrendamento, com alterações legislativas estabilizadas, com direitos e deveres, ecom o Estado a assumir a sua função social, quando necessário.  

Parece óbvio, mas quando ouvimos a mensagem de alguns partidos com propostas para se voltar a congelar as rendas através da imposição de limites, percebemos que a ideologia e as posições políticas de alguns são os principais inimigos de quem precisa. Resta assim a opção de compra e os Bancos só podem agradecer a quem promove esta visão do passado. 

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