FERNANDO SANTO

O MITO DA ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA

Há ou não especulação imobiliária, é a questão que tentarei explicar.

O preço da habitação em Portugal aumentou 10,4% em 2024, face ao ano anterior, com o aumento de 7,3% no Porto e 5,1% em Lisboa. O preço mediano das vendas, em todo o território, atingiu 2827€ /m2, mas este valor não reflete o preço das habitações novas, pois resulta do preço de venda de cerca de 75% de habitações usadas e 25% de novas, pelo que o preço das habitações novas é muito mais elevado. O preço da mediana também não reflete a realidade de cada município, que é muito diferente, e o preço mais elevado foi registado em Lisboa com 5718€/m2.

Como a crise continua, sem que os anteriores programas e medidas tenham resultado, a culpa passou a ser da Especulação Imobiliária. Desta forma simples, populista, ignoram-se as verdadeiras causas, identifica-se o inimigo através da palavra mágica, Especulação Imobiliária, limpam-se as responsabilidades e atribui-se culpa aos promotores, proprietários, construtores, senhorios e a todos que, na sua atividade, colocam habitações no mercado a preços elevados, como se fosse possível colocá-las a preços baixos. Só que, não são estes os responsáveis pelo estado a que chegámos.

Na produção de qualquer bem, incluindo automóveis, os preços variam conforme a qualidade, mas há a preocupação em produzir com exigências que permitam o acesso a famílias com menores rendimentos e por isso o mesmo tipo de bens tem preços distintos. A produção de habitação deveria seguir o mesmo padrão, mas não segue, pois as exigências são iguais para vender a 3000€/m2 ou a mais de 10.000€/m2.

Custos elevados

O problema está na legislação que ao longo de décadas tem maiores exigências, dificuldades e impostos, que não permitem custos mais baixos, à semelhança dos produtos low cost.

Quando os custos eram mais reduzidos, o preço final era dividido em 360 prestações de um empréstimo que se ajustava ao rendimento. Por isso, o custo era menos condicionante e promoveu a gradual imposição de todo o tipo de exigências.

Muitos destes custos foram agravados por legislação que transpôs diretivas comunitárias e outras apenas nacionais, sobre a sustentabilidade ambiental, eficiência energética, defesa do património, ordenamento do território, impostos, etc., sem nunca perguntarem quanto custa cada medida e se as famílias podiam pagar. Só que chegou a um limite que já não dá para esconder, pois o custo direto, sem margens, é incompatível com o rendimento das famílias, mesmo recorrendo a empréstimo.

Se o negócio da promoção fosse tão bom como tentam insinuar, então a oferta teria crescido de acordo com a procura, como sucedeu no passado, mas não é o que tem sucedido.

Apesar de haver terrenos urbanos para construção e edifícios à venda para reabilitar, a produção continua reduzida, próximo de 30 mil habitações por ano, ou seja, 30% da produção média anual entre 1981 e 2011. A explicação é simples, os investidores não estão interessados em promover habitação porque os custos são muito elevados, os licenciamentos e a burocracia são insuportáveis.

Construir ou reabilitar

Como o preço de venda é elevado, só uma pequena percentagem das famílias pode comprar habitação. Neste contexto, os promotores não estão disponíveis a correr o risco de construir e depois não terem clientes para comprar, como sucedeu há 15 anos, sendo obrigados a entregar os imóveis aos bancos. Como consequência, uma parte dessa produção está centrada no segmento elevado, onde se incluem os estrangeiros. É muito difícil construir e vender habitação em Lisboa ou no Porto, onde a palavra especulação mais aparece, a preços inferiores a 7000€/ m2 de área privativa, o que significa o preço de 700.000€ por 100 m2 de área privativa.

Se em vez da construção nova usarmos como referência a compra de edifícios para reabilitar, o custo e a incerteza ainda conduzem a preços mais elevados.

Mas, sendo claro o objetivo, reduzir custos e burocracia, cada nova medida é imediatamente contestada, sem avaliação dos supostos resultados que pode dar, porque colide com muitos interesses. Organizam-se movimentos de ativistas, conferências, entrevistas e publicam-se artigos para dar suporte às estratégias políticas de alguns partidos, reféns de condicionalismos ideológicos.

Tudo o que se atravessar nesta forma de fazer política, porque os interesses partidários se sobrepõem aos supostos interesses do país, é destruído na praça pública. A forma desproporcionada e os argumentos utilizados contra a transformação dos terrenos rústicos em urbanos é o exemplo mais recente.

Nessa oposição surge também a defesa do centralismo e de alguns organismos públicos criados para impor a sua visão, e que não estão interessados em perder o poder. O poder político, seja qual for a sua cor, já está refém deste modelo.

Ora, se a construção nova e a reabilitação têm custos muito elevados, os apartamentos existentes ajustam o preço em termos comparativos, pois se alguém vendesse a sua habitação ao preço que custou há mais de 20 anos, mesmo adicionando uma taxa de juro normal, não conseguiria comprar mais do que 30% a 40% do preço de uma habitação agora concluída.

Crise da habitação

Mantendo-se o modelo, a crise da habitação continuará de vento em popa, enquanto não for dada resposta a cinco causas: (i) O aumento do custo dos terrenos e da construção, resultado do agravamento das exigências dos planos, dos regulamentos e da dificuldade de obter lotes urbanos; (ii) menor capacidade das empresas de construção, que se debatem com falta de mão de obra e grande dependência dos subempreiteiros; (iii) dificuldades para se obter o licenciamento; (iv) Impostos elevados e (v) rendimentos insuficientes para compra de habitação ao preço de custo, mesmo sem qualquer margem.

Sendo o diagnóstico simples, é imprescindível o entendimento entre os diferentes partidos para implementar as soluções que respondam às causas da crise, ou continuaremos a assistir ao contínuo aumento dos preços.

Há de facto especulação, mas de quem transformou a promoção imobiliária, que deveria ter custos de produção compatíveis com o rendimento das famílias, numa atividade para produzir bens de luxo.

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