PREVENIR O RISCO SÍSMICO – UM DESAFIO PERMANENTE
Sempre que se regista um sismo, a comunicação social dedica alguns dias ao tema, com muitos intervenientes a falar do que não sabem, mas depois deixa de estar na agenda.
Há quem opte pelo alarmismo, ou por soluções que não resolvem as questões de fundo, pois todos sabemos que esta matéria é complexa e não é possível assegurar que todos os edifícios e infraestruturas resistam a um sismo de elevada intensidade.
A complexidade do tema decorre dos sistemas construtivos de cada época, das alterações introduzidas nos edifícios existentes, da regulamentação em vigor em cada época, da qualidade dos projetos e da execução das obras de acordo com os projetos.
Contudo, é possível gradualmente implementar um Plano de Prevenção, com objetivos e medidas, que permita ao longo de um prazo definido melhorar a situação das construções existentes e a construir. Como exemplo, deveria ser prioritário o reforço sísmico de hospitais, quartéis de bombeiros e outros equipamentos e infraestruturas construídos no passado sem a devida resistência aos sismos, pois deverão estar operacionais na primeira linha de socorro no caso de um sismo.
Relativamente aos edifícios a reabilitar já existe obrigatoriedade de reforço sísmico, mas a legislação existente, por ser muito exigente, pode levar à não reabilitação, ficando os edifícios como estão, ou sujeitos a obras de simples melhoramento.
Construção antissísmica
Após o Terramoto de 1755, a Engenharia Militar desenvolveu um novo sistema de construção antissísmica, que ficou conhecido como Gaiola Pombalina, utilizada na construção da Baixa Pombalina. Consistia numa estrutura de madeira com elementos verticais, horizontais e de travamento, perpendicular às fachadas, com elevada flexibilidade, o que permitia absorver as deformações provocadas pelas forças sísmicas.
As paredes exteriores eram em pedra e as paredes interiores em tabique. Como este sistema era caro, ao longo dos anos foi sendo simplificado, e em particular durante a primeira metade do século XX, devido às dificuldades durante a Primeira e Segunda Guerra Mundial, pelo que muitas construções desse período são mais vulneráveis.
A partir de 1950, com o advento do betão armado, as paredes exteriores continuaram a ser em pedra, mas as interiores passaram a tijolo maciço, designado por tijolo burro, pois eram paredes resistentes que suportavam as lajes em betão armado. Os edifícios ainda não eram construídos com o atual sistema de pilares e vigas, em betão armado, pelo que, remover essas paredes interiores é destruir uma parte da resistência dos edifícios.
Em 1958 foi publicado o primeiro regulamento para cálculo das estruturas aos sismos, tendo sido atualizado em 1983, com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil a assumir um papel determinante na preparação da legislação. Em 2019 foi publicado o Eurocódigo 8, tendo o LNEC assegurado o secretariado técnico desta legislação europeia. Mas a existência de regulamentos não permite concluir que os edifícios de épocas anteriores tenham um comportamento adequado, pois cerca de 50% são anteriores a 1980.
É também importante referir que o risco sísmico não é igual em todo o território nacional, pelo que esta abordagem tem mais sentido para os edifícios das zonas de maior risco, como são a Área Metropolitana de Lisboa, a costa alentejana, o Algarve e a Região dos Açores.
Nos edifícios mais antigos tem havido obras de reabilitação que podem ter agravado a sua resistência, devido à eliminação de paredes, abertura de roços para passagem de tubagem, etc., sem medidas de reforço. Mas se relativamente ao passado há incerteza, importa conhecer a situação dos edifícios construídos nas últimas décadas com a aplicação dos regulamentos antissísmicos.
Necessidade de formação específica
Não é suficiente ter legislação adequada, se não se garantir a sua aplicação. Este é um tema incómodo, mas que não pode deixar de ser analisado. A elaboração de projetos de estruturas em zonas sísmicas, atendendo à especificidade e responsabilidade, deveria ser exclusiva de engenheiros civis especialistas em estruturas, pois existe essa especialização na Ordem dos Engenheiros, ou de engenheiros civis e engenheiros técnicos de civil que, após formação específica, fossem aprovados em exame.
Mas não é esta qualificação que está em vigor (Lei nº 40/2015), pois é suficiente ser engenheiro civil, ou engenheiro técnico civil, não especialistas em estruturas, e a garantia da execução da obra é do diretor de obra e por parte do dono de obra, do diretor de fiscalização, com a mesma qualificação.
Curiosamente, para a certificação energética de edifícios foi exigido que os técnicos tivessem uma formação específica com prestação de provas para obterem o título de perito qualificado.
Também a defesa do património exige que as obras em edifícios classificados ou em vias de classificação, ou inseridos em zona especial ou automática, independente da classe da obra, tenham intervenção de engenheiros ou engenheiros técnicos especialistas.
Pode-se concluir que o legislador é mais exigente na qualificação profissional para a eficiência energética e para intervenções na proximidade de património classificado ou em vias de classificação, do que na prevenção do risco sísmico.
Acresce que a garantia de execução de projetos de estruturas em zonas de risco sísmico é ainda mais preocupante a partir da Reforma de Bolonha, porquanto a licenciatura passou a ser obtida ao fim de três anos, quando no anterior sistema de ensino era de cinco anos. Ora, não é possível em três anos dar a formação especializada para elaborar este tipo de projetos, mas isso não interessa nada a quem pretendeu massificar o ensino, desvalorizar o título de licenciado para melhorar a estatística e evitar que o Estado financiasse o 2.º ciclo.
A agravar este quadro, existem no mercado diversos programas de cálculo de estruturas que são utilizados sem se conhecer a sua qualidade e sem se questionar os resultados obtidos. Talvez por tudo isto, os projetos de estruturas são muito mal pagos, podendo oscilar entre 5 e 10€/ m2 de construção, menos do que o mais barato pavimento flutuante, e representam entre 10 e 15% do custo total dos projetos, incluindo a arquitetura, apesar de ser o projeto de mais elevada responsabilidade.
Neste contexto, podem continuar a produzir ótima legislação, mas enquanto os projetos de estruturas em zonas sísmicas não forem obrigatoriamente elaborados por engenheiros especialistas em estrutura, ou aprovados em ações de formação específica, com exame, não haverá garantia.