FERNANDO SANTO

NÃO HÁ HABITAÇÃO A PREÇOS ACESSÍVEIS SEM CUSTOS DE PRODUÇÃO ACESSÍVEIS

O atual Governo considerou a crise da habitação como urgência nacional e apresentou a Nova Estratégia para a Habitação, com seis prioridades: (i) incentivar a oferta com redução de custos; (ii) Promover a habitação pública; (iii) Devolver a confiança ao mercado; (iv) Simplificar o licenciamento urbano; (v) Fomentar a habitação jovem e (vi) Assegurar a acessibilidade na habitação.

Revejo-me na estratégia apresentada e espero que as medidas que vierem a ser aprovadas vão ao encontro das soluções. A atual crise é complexa, pois foi sentida nos últimos 4/5 anos por quem necessita de uma casa, mas começou em 2008 com a crise do setor imobiliário. Até 2019 poucos se mostraram preocupados com o que se passou, a não ser os promotores/construtores que faliram, os desempregados do setor e os bancos que tiveram que reconhecer milhares de milhões de euros de imparidades para responder às imposições do regulador.

Entre 2011 e 2016 havia milhares de lotes de terrenos e habitações à venda a preços muito abaixo do seu custo, mas não havia compradores. Quando a crise chegou aos compradores, como era previsível, depois das falências, os “especialistas” e comentadores inventados na hora surgiram com inúmeras soluções, mas que não resultam, porque não respondem às atuais condicionantes para produzir habitação a preços acessíveis.

Dos dados estatísticos recentes destacamos: (i) no 1.º trimestre de 2024 o valor das rendas dos 25.742 novos contratos de arrendamento aumentou 10,5%; (ii) olicenciamento de obras novas de habitação no 4.º trimestre de 2023 reduziu 15,4% e no 1.º trimestre de 2024 agravou para 20,3% relativamente ao período homólogo de 2022; (iii) o número de habitações vendidas no 1.º trimestre de 2024 reduziu 4,1% face ao período homólogo e (iv) segundo dados recentes da OCDE o mercado de habitação em Portugal está cada vez mais distante do poder de compra dos portugueses. Em 10 anos o esforço para aceder a uma habitação aumentou 50%. É o maior agravamento dos países da UE e está a agravar-se a diferença entre o preço da habitação e os salários.

Dificuldade de Acesso

A redução da oferta e o aumento dos preços eram previsíveis, conforme manifestei em diversos artigos, e só quem não conhecesse as causas da crise poderia acreditar no Programa Mais Habitação.as recentes conclusões da OCDE quanto à crescente dificuldade das famílias portuguesas deixam-me surpreendido.

Então os especialistas da OCDE, a que poderia adicionar os da UE, do BCE e de tantos outros nacionais, não perceberam ainda a razão pela qual os portugueses não conseguem ter acesso à habitação?

São várias as causas, mas duas determinantes: (1) o custo direto para produzir uma habitação para o segmento médio e social, sem margem de lucro, aumentou entre 2,5 a 3 vezes relativamente aos custos anteriores a 2005 e (2) a capacidade produtiva reduziu para menos de metade, consequência da destruição do setor.

Desde 2005 que se regista um crescente aumento de exigências legislativas e regulamentares para produzir habitação, que passou a ser tratada como um bem de luxo enquanto para os bancos os imóveis passaram a partir de 2011 a ativos tóxicos. O IVA que era de 17% até 2005 passou para 23%.

Custos elevados

Maiores exigências e dificuldades de licenciamento implicam mais custos. Agora surgiu outro negócio, a descontaminação dos solos, com custos elevados, a par dascrescentes exigências da eficiência energética, comparável aos modelos dos países nórdicos. Não há limites e as exigências não param, pois as diretivas europeiascontinuam a impor regras que implicam mais custos.

O facto de a habitação ser um direito constitucional deveria obrigar os decisores europeus e nacionais a ponderar entre as exigências/custos e a capacidade financeira das famílias para os suportar, em vez de satisfazerem os interesses instalados, mesmo que disfarçados de interesse público e do argumento da sustentabilidade. Essas exigências não são sustentáveis para os orçamentos familiares e a sustentabilidade exige a ponderação entre três pilares, o social, o económico e o ambiental.

É tempo de confrontar os políticos e os fundamentalistas com a realidade. Com os atuais custos diretos exigidos para urbanizar um terreno, construir um edifício ou reabilitar um existente, não é possível ter preços de venda acessíveis e os imóveis existentes ajustam o valor ao mercado.

Reformular a legislação

Por isso entendo que é urgente reformular a legislação existente criando três níveis de regulamentos, com os atuais a corresponder às exigências para produzir habitação para o segmento alto e luxo. Os dois níveis de menor exigência, com menores custos, permitiriam ajustar os preços para as famílias de rendimentos médios e para a oferta pública de habitação. Afinal é o que sucede em todo o tipo de produtos, desde os automóveis até aos eletrodomésticos.

Mas por que razão a preocupação com a redução dos custos nunca esteve presente no legislador, que transformou a produção de habitação num bem de luxo, com dificuldades de produção não comparáveis com as de outros bens essenciais?

A resposta é simples, a produção de habitação suportava todos os custos, visíveis e ocultos, porque se dividia o preço de venda por 360 prestações (30 anos) para amortização do empréstimo. Se não fosse suficiente, aumentavam para 420, a que acresceu a redução do encargo através da bonificação dos juros dos empréstimos à custa dos impostos de todos. Desta forma e mesmo quando os custos de produção eram muito inferiores aos atuais, o valor da prestação mensal ajustava ao rendimentodas famílias.

A agravar o problema, a UE, o BCE e o FMI, ao imporem o programa da troika como contrapartida pela ajuda financeira a Portugal, destruíram a indústria da construção e arrastaram para o desemprego cerca de 300 mil trabalhadores da construção civil, a maior parte dos quais já não voltou ao trabalho.

Sem a anterior capacidade produtiva e com custos mais elevados não é possível repetir o milagre do passado, pois o rendimento das famílias ficou muito atrás. Se fosse um bem móvel, o lóbi europeu do import/export resolvia o problema importando da Ásia, mesmo com regras de produção não aceitáveis na UE. Mas os edifícios são bens imóveis. É um pequeno detalhe que faz toda a diferença perante as políticas que dificultam a produção na UE, dadas as exigências, mas permitem importações sem o cumprimento das mesmas regras.

É tempo de se assumir que chegou ao fim o modelo que permitiu a 74% dos portugueses habitarem em casa própria e encarar as políticas com as soluções adequadas ao contexto em que vivemos.

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