FERNANDO SANTO

QUER INVESTIR PARA ARRENDAMENTO? NÃO, OBRIGADO

Na União Europeia cerca de 30% das famílias vivem em habitações arrendadas, com destaque para Alemanha, Áustria, Dinamarca e França, com percentagens entre os 35% e os 50%, sendo os países do antigo bloco de leste os que apresentam os valores mais reduzidos de arrendamento.

No atual contexto de empregos menos estáveis, com mais mudanças ao longo da vida ativa e o aumento do número de divórcios, o arrendamento é a solução que melhor se adequa às dinâmicas sociais na fase inicial da vida profissional.

Em Portugal a percentagem de habitações arrendadas representa cerca de 21,6% dos alojamentos existentes e as políticas deveriam promover o aumento da oferta para convergir para a média dos países da UE. Mas em Portugal nunca existiu vontade política de promover o investimento no arrendamento, com exceção do Regime do Arrendamento Urbano publicado em 2012 durante o período do Programa de Apoio Financeiro. Esse regime procurou conferir mais equilíbrio entre os direitos das partes, previa que as rendas dos contratos anteriores a 1990, de baixo valor por terem estado congeladas, pudessem aumentar a partir de 2018, com regras definidas em função dos rendimentos e com o apoio do Estado, deixando os senhorios de estar obrigados a assumir essa função social, e estimulou o investimento neste mercado com os rendimentos prediais a serem taxados de forma autónoma como qualquer outra aplicação financeira.

RESULTADOS OBTIDOS

Os resultados obtidos foram significativos, pois entre 2011 e 2021 registaram-se mais 125 mil contratos de arrendamento, com um aumento de 16%, o que nunca se tinha registado. Só que estes incentivos, que geraram confiança nos proprietários e investidores, foram gradualmente postos em causa desde 2016 com a publicação de diversa legislação que reverteu a anterior, destacando-se: (i) a criação do Adicional ao IMI, apenas para a habitação, (ii) o adiamento do aumento das rendas antigas, continuando o Governo a obrigar os senhorios a assumir a função social do Estado e, em 2023, (iii) o aumento das rendas ficou limitado a 2%, apesar da legislação em vigor definir 5,44%, percentagem mais alinhada com o aumento do custo da energia, água, limpeza, elevadores, seguros e conservação, sem limites legais, o que configura um prejuízo objetivo, prejudicando os senhorios e favorecendo os inquilinos.

Perante o fracasso das políticas, de que resultou a atual crise da habitação, o mercado de arrendamento passou a ser, mais uma vez, alvo de ataques na tentativa de responsabilizar os senhorios pela situação de falta de oferta e do aumento do valor das rendas.

A comunicação social e alguns comentadores chegaram a considerar a cidade de Lisboa como a mais cara da União Europeia, sem o cuidado de analisar a falta de credibilidade dos levantamentos efetuados, facilmente desmentidos. Há um sistema de recolha de dados estatísticos credível, o Confidencial Imobiliário, que publica relatórios sobre o mercado a partir de informação dos bancos, e de câmaras municipais, o que permite conhecer os valores praticados em cada zona, e desmente as afirmações divulgadas.

POLÍTICAS DE HABITAÇÃO

Quando os governos são incapazes de promover a construção de habitação pública, ou de implementar políticas para aumentar a oferta e reduzir os preços, a solução é identificar inimigos responsáveis pela crise, em vez de assumirem a responsabilidade perante o fracasso de inúmeros programas públicos.

Se o objetivo fosse aumentar a oferta e com preços mais reduzidos, as políticas de habitação deveriam ser inversas das publicadas e das que constam do Programa Mais Habitação, as quais vieram agravar a falta de confiança e, consequentemente, o estímulo ao investimento.

Mas para os senhorios não ficarem isolados como responsáveis pela crise, os investidores no Alojamento Local passaram a ser também o alvo, depois de terem contribuído para a reabilitação da maior parte dos edifícios, ou frações, que não estavam no mercado por não terem condições mínimas de habitabilidade, acabando, de forma populista e demagógica, por serem responsabilizados por retirar do mercado habitações que deveriam ser destinadas ao mercado com rendas acessíveis, como se tal fosse possível com a atual estrutura de custos.

Certamente há um amplo consenso em reconhecer que: (1) Portugal precisa de aumentar a oferta; (2) os preços das rendas deveriam ser mais baixos e (3) os jovens e outros grupos precisam mais de arrendar do que comprar, perante a incerteza do local de trabalho e das opções de vida.

Por isso, as políticas de habitação deveriam criar as condições para esses objetivos. Não o fazendo, teremos de concluir que há um condicionamento ideológico contra o investimento no mercado de arrendamento e contra os senhorios e outro tipo de investidores.

FALTA DE INVESTIMENTO

Uma parte do Programa Mais Habitação ainda não entrou em vigor depois do veto do Senhor Presidente da República, mas os efeitos negativos desde a sua divulgação em fevereiro último já se fizeram sentir e irão continuar. Com o atual congelamento das rendas acima dos 2%, voltámos ao tempo do Estado Novo, com o congelamento das rendas (1948) ou do PREC (1975), apesar da inflação em 2022 ter atingido 7,8% e até julho de 2023 o Índice de Preços no Consumidor já ter o aumento de 3,1%.

Com este novo tipo de congelamento a perda de rendimento é gradual, o investimento será cada vez menor e o mercado ficará cada vez mais condicionado e sem oferta para os que estão fora e procuram habitação. Seguir-se-á a degradação do parque habitacional por falta de investimento, com as consequências conhecidas.

Da mesma foram que foram aplicados mais de 30 mil milhões de euros em Certificados de Aforro (CA), com maior expressão desde o aumento da taxa de juro, uma parte deste montante também poderia ser aplicado na compra de habitação ou na reabilitação de frações para arrendamento. O valor total aplicado em CA permitiria adquirir 100 mil habitações ao preço médio de 300 mil euros e uma renda média de mil euros permitiria uma taxa bruta de 4%, acima dos atuais 2,5% dos CA. Contudo, a opção é manter as poupanças nos CA, ou em depósitos nos bancos, que atingiram mais de 175 mil milhões de euros em junho passado, em vez de investir para arrendamento. A resposta a esta irracional opção face ao investimento para arrendamento é fácil de entender e é consequência da legislação dos últimos oito anos relativa ao arrendamento.

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