DA EXPO’98 À JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
No passado dia 22 de maio completaram-se 25 anos sobre a inauguração da Expo’98, uma exposição mundial que colocou Portugal e Lisboa no centro de um acontecimento que acolheu representantes de 140 países e cerca de 11 milhões de visitantes durante três meses. Tinham decorrido apenas 24 anos após a Revolução de Abril, e passados 49 anos Lisboa volta a receber um outro grande acontecimento à escala mundial, a Jornada Mundial da Juventude.
A comparação entre estes eventos não pode deixar de nos levar à reflexão sobre o estado da Nação na última década do século passado, a ambição, a esperança no futuro, com gradual aproximação do rendimento per capita à média do rendimento da CEE a 15 países, sobre o caminho que fizemos durante a primeira metade do período democrático e a situação atual.
Em Portugal, raramente as decisões políticas sobre grandes transformações urbanas e infraestruturas têm resultado de uma estratégia que mobilize no mesmo sentido os diferentes partidos e a sociedade civil, pois quase sempre têm sido as catástrofes (sismos, incêndios, inundações) ou compromissos internacionais que nos levam a concretizar o que deveria acontecer de forma planeada.
A Expo’98 foi muito mais do que uma exposição, foi uma oportunidade e uma ambição que permitiu afirmar Portugal no contexto dos países desenvolvidos, apenas decorridos 24 anos sobre o início do processo democrático. Mas foi também a visão de requalificar a zona mais poluída e desqualificada de 350 hectares do território de Lisboa e Loures, o que permitiu planear uma nova cidade, com mais de 8 mil habitações, onde vivem cerca de 22 mil habitantes. O ponto de partida era a área mais desqualificada de Lisboa, na margem do Tejo, onde coabitava uma lixeira a céu aberto, um matadouro, o parque de viaturas militares destruídas durante a guerra colonial, a recolha de areia extraída do Tejo e os solos contaminados das empresas de combustíveis, a par do lodo que enchia a antiga doca de hidroaviões, que em 1942 estava em funcionamento quando foi inaugurado o aeroporto da Portela.
Conheci bem aquela área, e quando em 1995 se iniciaram os primeiros trabalhos de remodelação do terreno após a limpe-za do que existia, estávamos perante um quase pântano. Tive o privilégio de estar ligado à construção desse mobilizador projeto, mas à medida que o tempo pas-sava era inevitável a dúvida sobre se seria possível concretizar em apenas dois anos o que normalmente demoraria muito mais.
CONCRETIZAR UM SONHO
Recordo que a ideia de organizar uma exposição mundial nasceu de António Mega Ferreira e Vasco de Graça Moura, em 1989, e a decisão de atribuir a exposição a Lisboa aconteceu em junho de 1992. Em apenas seis anos foi possível conceber, projetar e construir o que era essencial para a exposição. Esta capacidade de concretizar um sonho, com qualidade e inovação, passou a ser uma marca de referência, de prestígio e de capacidade de organização do país. Cada edifício era uma obra especial, como o Oceanário, a Gare do Oriente, o Pavilhão do Conhecimento dos Mares, o Pavilhão de Portugal, os Pavilhões do Futuro, da Utopia (atual Altice Arena) e dos Oceanos e os pavilhões da FIL.Mas naqueles anos “loucos” não foram apenas a urbanização e os edifícios da exposição que estiveram em execução, foi construída também a Ponte Vasco da Gama, com 17 km, inaugurada em março de 1998, a par de uma enorme rede de acessibilidades, e um pouco por toda a área metropolitana de Lisboa e do Porto, estavam em construção milhares de habitações, das 34 mil construídas ao abrigo do Programa Especial de Realojamento.
Foi um período que, infelizmente, considero único, pois decorridos 25 anos surge como inevitável a pergunta: “E se fosse hoje, seria possível concretizar todo este sonho e ambição?” A minha perceção é que não seria possível por muitas razões, começando pelo sentido de missão pública que permitia mobilizar diferentes forças políticas perante objetivos nacionais, o que contrasta com a forma como hoje se faz política. Decorridos 25 anos, os entraves da burocracia, o Código dos Contratos Públicos e um sem-número de intervenientes e entidades que não contribuem para as soluções criam um contexto que não é comparável com o saber fazer e o pragmatismo da época passada. Por outro lado, a menor capacidade instalada ao nível das empresas de projeto e de construção, a falta de determinação para publicar regras excecionais para resolver dificuldades excecionais, como foi o caso do decreto-lei que atribuiu poderes à Parque Expo, torna quase impossível concretizar programas e projetos, mesmo quando há dinheiro, como é o caso do PRR. Tudo é dificultado e nada acontece como seria desejável.
JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
O que tem acontecido com as infraestruturas para receber a Jornada Mundial da Juventude, relativamente simples quando comparado com a Expo’98, justifica a inevitável comparação. A decisão foi anunciada pelo Papa Francisco em janeiro de 2019, ou seja, quatro anos e seis meses antes do evento, e quando estávamos a cerca de sete meses da Jornada assistimos através da comunicação social à triste imagem de um país que só faltou pedir desculpa por se ter metido na candidatura, começando pela Igreja Católica que não sabia quantas pessoas afinal deveriam estar no palco, com ou sem proteção solar, acabando na responsabilidade de cada entidade e no projeto que ainda não existia. A discussão era sobre um palco que podia custar cerca de 5 milhões de euros, o recinto envolvente e um palco provisório no Parque Eduardo VII. A menos de um mês do evento, o Plano de Mobilidade ainda não era conhecido, a par de muitos outros desconhecimentos e improvisos. Lembrei-me do país que éramos há 25 anos, da Expo’98, da Ponte Vasco da Gama e de tudo o mais, e o contraste com a situação atual é tão esmagador, que não podemos deixar de sentir uma enorme tristeza pela esperança perdida. Se somarmos a esta realidade a incapacidade para concretizar a construção do novo aeroporto de Lisboa, decidido construir em Alcochete através da Resolução de Conselho de Ministros de janeiro de 2008, e a surpresa de terem voltado a colocar como hipótese a localização em Rio Frio, já escolhida em 1972, percebemos melhor o estado a que chegámos, como estamos e como é difícil aos jovens acreditarem no seu país e no desenvolvimento que lhe permita ter um futuro melhor, tal como teve a minha geração, uma esperança em grande parte concretizada no século passado.