OS MAIS VULNERÁVEIS DAS POLÍTICAS DE HABITAÇÃO
As políticas de habitação surgem com maior relevância e ocupam a discussão pública nos períodos em que o acesso ou a manutenção de uma habitação é muito difícil, sendo crescente a diferença entre o rendimento das famílias e o preço, seja de compra ou de arrendamento.
Nos períodos em que o acesso ou a manutenção de uma habitação é muito difícil, as políticas públicas devem intervir no sentido de resolver ou atenuar as condições de acesso das pessoas mais vulneráveis, ou de menores rendimentos, justificando até programas especiais atendendo à gravidade da situação vivida por milhares de famílias.
Foi assim, por exemplo, em 1993, com o Programa Especial de Realojamento (PER), que foi criado para erradicação dos bairros de barracas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e até final do século XX foram construídas cerca de 34 mil habitações.
Normalmente as políticas promovem quatro tipos de apoio: (1) habitação pública para famílias sem recursos para aceder a uma residência através do mercado, pagando uma renda que é uma percentagem do seu rendimento; (2) apoio a cooperativas que permitem solucionar o acesso à habitação dos cooperantes; (3) bonificação de juros para compra de casa e (4) subsídio de renda.
Congelamento das rendas
Há também políticas que resolveram problemas em determinado momento, mas ao serem mantidas criaram no futuro situações de graves consequências. Refiro-me ao congelamento das rendas, que favoreceu os inquilinos que celebraram contratos de arrendamento até 1990, beneficiando dessa medida para toda avida, apenas com pequenas atualizações, quando durante mais de uma década as taxas de inflação registaram valores superiores a 20%. Se para os inquilinos foi a resolução do problema, para os senhorios foi a delapidação do seu património, uma vez que nos restantes setores de atividade os custos continuaram a ser cada vez mais elevados.
Para além da injustiça no equilíbrio contratual, as consequências foram desastrosas, pois os edifícios arrendados foram-se degradando por ausência de conservação, os centros das cidades cada vez mais desertificados e os próprios inquilinos, com o passar dos anos, ficaram reféns do benefício que os favoreceu durante muitas décadas.
O Estado, em vez de assumir o justo apoio com o subsídio de rendas às famílias mais necessitadas, exigindo em contrapartida a conservação dos edifícios, obrigou os senhorios a assegurar o apoio social que deveria ter sido assumido.
O fim do investimento para arrendamento conduziu à redução da oferta, em contraciclo com o aumento da procura devido à maior mobilidade das famílias, aos empregos mais instáveis e ao aumento do número de divórcios. Na minha opinião foi das opções mais desastrosas e injustas produzidas pelo regime após 1974.
Contudo, mesmo depois do fim dos contratos com rendas congeladas, a oferta para arrendamento continuou também congelada, devido à desconfiança que se manteve, a qual foi agravada devido a: (i) instabilidade legislativa e fiscal do Regime de Arrendamento Urbano; (ii) obrigatoriedade dos senhorios continuarem a assegurar a responsabilidade do Estado em matéria de apoio social; (iii) impossibilidade de reaver em tempo útil uma habitação por falta de pagamento da renda.
Perante este quadro, a inversão destas políticas para fomentar a oferta justificava um novo ambiente de confiança, mas as medidas apresentadas pelo Governo para o arrendamento continuaram no mesmo sentido ideológico, pelo que irão contribuir para agravar a situação.
Mas, de tudo o que foi divulgado, o que considero mais chocante foi o “congelamento para sempre das rendas com contratos anteriores a 1990”.
Condições desumanas
Pelas razões anteriormente expostas, o grupo mais vulnerável e em piores condições de habitação são os inquilinos idosos, com reformas muito baixas. Habitam edifícios degradados, em péssimo estado de conservação, sem elevador, sem condições de mobilidade e muitos vivem sozinhos. A falta de mobilidade dos mais idosos leva a que não possam utilizar escadas e assim ficam encarcerados nas suas habitações, em condições desumanas.
O único contacto que muitos têm são os voluntários de organizações que os apoiam e os serviços das Juntas de Freguesia. Por vezes, após falecerem, ficam vários dias sem serem descobertos.
Serão algumas dezenas de milhares que, só pela sua situação, justificariam um programa especial dedicado a resolver o seu problema de habitação, da mesma foram que há 30 anos foi implementado um programa especial para acabar com as barracas. Sabemos que a solução não é fácil, mas teria que ser concebida com recurso a diversas soluções, envolvendo os inquilinos, os senhorios, os municípios e a segurança social, pois nunca é tarde para se corrigirem os erros cometidos.
Segundo os Censos de 2021 existiam 37.647 contratos anteriores a 1990 com rendas inferiores a 50€ e 34.958 com rendas entre 50€ e 100€. Perante a dimensão humana deste grave problema, esperava que o Estado Social, que é uma das bandeiras do regime democrático, resolvesse o abandono a que foram obrigados milhares desses inquilinos, com a agravante de, nas zonas sísmicas, os edifícios onde vivem não terem as condições mínimas de resistência antissísmica.
Ora, quando se esperava que este grupo de inquilinos fosse alvo da Nova Geração das Políticas de Habitação, a proposta do Governo foi no sentido de manter o congelamento das rendas, acenando com uma vantagem de isenção de IRS, que significa quase zero.
Talvez a ministra da Habitação não tenha pensado no assunto para perceber a dimensão da pena a que condenou aqueles inquilinos, a ficarem retidos nas suas casas, em péssimas condições, até à morte. Mesmo nas prisões os reclusos têm sempre a esperança de sair após cumprir a pena, pois não há prisão perpétua em Portugal, mas os inquilinos que se encontram na situação descrita irão continuar sem poder sair das suas “celas” até ao fim dos seus dias.
Depois de o país ter conseguido até final do século passado resolver os graves problemas de habitação, não é admissível que se continue a ignorar as condições de habitabilidade destes inquilinos idosos, falsamente protegidos por rendas congeladas, e por isso espero que o Governo reveja o que foi apresentado e assegure àquelas famílias o que há dezenas de anos não têm, uma habitação digna desse nome.