DA CRISE ÀS SOLUÇÕES
Para que o preço da habitação esteja ajustado ao rendimento das famílias, é necessário que o custo total de produção também esteja, o que não sucede por diversas razões. É portanto necessário inverter o atual sistema, reduzindo ou eliminando os custos que têm contribuído para aumentar os preços.
A produção de Mais Habitação, a que acrescento, Mais Ajustada ao rendimento das famílias, exige (i) a construção de Mais Habitação Pública, para os que não têm recursos; (ii) Mais Habitação com Rendas Acessíveis, a promover pelo Estado, autarquias e iniciativa privada, para os que precisam de apoio e (iii) Requalificação e reabilitação dos edifícios públicos devolutos que possam ser destinados a habitação. Ora, para o preço estar ajustado ao rendimento das famílias é necessário que o custo total de produção também esteja, o que não sucede por diversas razões. É portanto necessário inverter o atual sistema, reduzindo ou eliminando os custos que têm contribuído para aumentar os preços.
Não pode haver habitação acessível com custos inacessíveis. Esta é uma questão incontornável na abordagem das soluções, conforme procurarei transmitir neste texto, uma vez que a proposta de lei apresentada pelo Governo omite esta questão.
Para além do aumento da produção de habitação com custos mais baixos, importa também incrementar a oferta privada para arrendamento, atendendo à crescente mobilidade das famílias, número de divórcios e situações que justificam não comprar uma casa.
A grave crise de habitação
A proposta de lei apresentada pelo Governo teve o mérito de reconhecer a grave crise de habitação, como vim a alertar durante os últimos anos através de artigos na FRONTLINE. Só que, na minha opinião, perante a gravidade do diagnóstico, algumas das medidas não irão contribuir para o que se pretende, podendo até agravar a atual situação, pois minaram ainda mais a reduzida confiança dos senhorios e dos que poderiam investir no mercado de arrendamento. Segundo a Comunicação Social, em Espanha, decorrido um ano após a limitação do acréscimo das rendas, o resultado é o inverso do pretendido, pois as rendas cresceram 9% e a oferta reduziu 17%.
Quando o país enfrenta um problema grave e as soluções dependem das iniciativas pública e privada, aconselharia o bom senso que, primeiro, fossem ouvidos os diversos intervenientes e depois apresentadas as medidas que, ponderadas, poderiam contribuir para a solução. Neste caso foi ao contrário, primeiro as medidas, depois a discussão pública, que já está a provocar efeitos contrários ao que se pretende. Agora o que importa é minimizar os efeitos e identificar medidas que permitam contribuir para ter Mais Habitação em vez de Menos Habitação.
Custos elevados
Os principais custos com a construção de habitação são o terreno, o custo de construção acima e abaixo do solo e os impostos, e no caso da reabilitação será o custo do edifício no estado em que se encontra, acrescido do custo da reconstrução e impostos. Com o atual enquadramento, a produção de habitação nova para arrendamento nos municípios mais valorizados e nas cidades de Lisboa e Porto, pode custar cerca de 4900€ por m2 de área bruta privativa (terreno a 1000€ por m2 de área bruta de construção acima do solo; construção acima do solo a 1200€/m2; caves a 600€/m2 e IVA a 23%).
Significa que um apartamento T2 com 80 m2 de área privativa teria um custo de 490.000€, sem qualquer margem de lucro. Se se aplicar uma taxa bruta de rendimento de 5,5%, que inclui encargos e impostos, a renda seria de 1800€, o que não é acessível à esmagadora maioria das famílias. Ora, para a renda ser reduzida para 800€, seria necessário o terreno custar até 500€/m2, a construção ser reduzida para 1000€/m2, não construir caves para estacionamento e o IVA reduzido a 6%. Se o terreno tiver o preço de 200€, a renda poderia ser reduzida para 550€.
Perante estes objetivos é necessário alterar a classificação dos solos, passando alguns rústicos a urbanos, bem como classificar como urbanos os que no passado foram classificados como potencialmente urbanizáveis, os quais poderiam ser adquiridos para construção de habitação social. A Câmara Municipal de Lisboa dispõe ainda de terrenos que permitiriam construir milhares de habitações, se a opção não for a do passado, ou seja, a venda de terrenos a mais de 1200€/m2.
Quanto à redução do custo de construção é necessário alterar normas e regulamentos, definindo disposições menos exigentes, industrializar elementos construtivos, elaborar projetos-tipo, otimizados, e simplificar o sistema de licenciamento, o que exige alterações profundas da legislação do urbanismo e da construção.
Património imobiliário do Estado
Para além da construção nova há que ter em conta o enorme potencial dos edifícios públicos existentes e devolutos. A solução passaria por um modelo semelhante ao criado pelo governo de França em 2008, que criou a direção France Domain, integrada no Ministério das Finanças, e estabeleceu um regime de unificação da política pública imobiliária. O ministro das Finanças assumiu a responsabilidade pela gestão do património imobiliário do Estado, assegurando as decisões interministeriais e a otimização da utilização do património. Cada ministério passou a ter um diretor imobiliário para assegurar as relações com a France Domain. Os edifícios públicos passaram a pagar renda, com dotação no Orçamento de Estado, mas com objetivos de eficiência cada vez mais exigentes em cada ano.
Em Portugal, o Mistério das Finanças poderia ter os mesmos poderes e a execução da estratégia de reabilitação e requalificação dos edifícios poderia ficar a cargo de uma organização com competências para identificar e classificar os edifícios públicos, propor soluções, contratar a elaboração de projetos, lançar concursos para a remodelação e gerir as empreitadas até à sua conclusão, para posterior entrega dos edifícios às entidades que viessem a assumir a sua utilização, ou exploração, passando a pagar renda.
Em conclusão, o essencial é garantir que as regras e os processos produtivos permitam construir habitações até ao limite de 1000€/m2, com terrenos abaixo dos 500€/m2 de área de construção acima do solo, a par de uma eficaz e harmonizada reforma do sistema de licenciamento urbano em conjunto com os municípios, para que, no final, a soma de todos os custos não ultrapasse os 2000€ de construção/m2.
Sem custos reduzidos não serão possíveis preços acessíveis, sendo as medidas propostas um equívoco por parte de quem não faz contas e espera o milagre de transformar custos elevados em preços acessíveis.
Uma explicação sucinta e clara , que me parece enquadrar com o rigor dos números um caminho possível para a resolução urgente da situação em causa.
Só discordo de não se utilizar as caves para estacionamento, a menos que haja estacionamento público. Mas neste caso as Câmaras Municipais também obrigam ao pagamento de estacionamento, ao construtor.