A IMPORTÂNCIA DO CONSELHO SUPERIOR DE OBRAS PÚBLICAS – O investimento em obras públicas nos últimos 10 anos foi muito reduzido, destacando-se como uma das maiores obras públicas a construção da sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, iniciada em 2011 e concluída em 2014, em pleno período da intervenção da troika.
Admitindo que não havia verbas para a execução de obras públicas, a boa gestão do investimento público teria aconselhado que fossem elaborados durante esta última década os estudos que permitissem decisões fundamentadas sobre a sua execução, alinhadas com uma estratégia de desenvolvimento e, logo que existissem condições para investir, as opções estavam tomadas e fundamentadas. Tive um professor de hidráulica que nos ensinava que os problemas das cheias deviam ser estudados e resolvidos durante os períodos de seca, pois durante as cheias só há urgências e soluções para mitigar os problemas.
A questão mais recente sobre a localização do aeroporto de Lisboa é um dos casos que poderia ter sido estudado com tempo, desde 2008, quando foi decidido escolher Alcochete e abandonar a Ota. De facto, e até à data, há apenas duas escolhas que resultaram de estudos comparativos, a localização em Rio Frio, decidida em 1973, após o estudo que comparou este local e mais seis, e Alcochete, que resultou da comparação com a Ota. Esta localização e a do Montijo não foram escolhidas por serem melhores em termos relativos, mas porque sim. Não deixa de ser curioso que é no período anterior à implantação da democracia que se utiliza um procedimento técnico mais transparente que levou à seleção de Rio Frio, pois as restantes alternativas, com exceção de Alcochete, são opacas e não explicadas, próprias de regimes não democráticos.
Ausência de estratégia
Ora, os problemas que temos enfrentado nas últimas décadas, seja a construção de autoestradas a mais, investimento em ferrovia a menos, a incapacidade para se selecionar o melhor local para um aeroporto, para a nova travessia do Tejo, ou a indefinição sobre o investimento em alta velocidade, resultam da ausência de estratégia e de estudos que permitam fundamentar as melhores soluções comparativas, pois to- das têm vantagens e inconvenientes.
No passado, essa preocupação esteve presente desde a constituição do Ministério das Obras Públicas em 1852, passando pelo seu reforço no período do Estado Novo. Para apoio à tomada de decisão das grandes obras públicas, foi criado o Conselho Superior de Obras Públicas e Minas, também em 1852, tendo mantido essa designação até 1859, e retomada entre 1893 e 1919. Posteriormente, a sua designação foi sendo adaptada, mas mantendo a razão de ser que justificou a sua constituição, ou seja, dar parecer de carácter técnico e económico sobre planos gerais, projetos de obras públicas, legislação, entre outras funções. Em 1948, o Conselho Superior de Obras Públicas (CSOP) foi ampliado para responder ao aumento do investimento no setor, tendo-se seguido diversas alterações até final do século XX.
Em 2005, a Lei Orgânica do Ministério das Obras Públicas,Transportes e Comunicações, através do Decreto-Lei no 58/2005, de 4 de março, considerou o Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, abreviadamente designado por CSOPT, como um órgão de consulta de carácter técnico, visando coadjuvar o Governo na resolução das questões relativas a obras públicas e transportes, cabendo-lhe emitir pareceres de carácter técnico, económico e financeiro sobre os projetos ou assuntos que sejam submetidos à sua apreciação. Através do Decreto Regulamentar no 62/2007, de 29 de maio, o CSOPT foi substituído pelo Conselho Consultivo de Obras Públicas, Transportes e Comunicações (CCOPTC).
De facto e durante os últimos anos, o CSOP, na versão abreviada, foi sendo esva- ziado de muitas das competências técnicas, devido à alteração da sua constituição e do perfil profissional dos seus membros.
Descentralização da produção de obras públicas
A extinção do CSOPT foi a consequência natural do seu anterior esvaziamento técnico e da ausência de pareceres sobre os grandes projetos nacionais de obras públicas, até porque o controlo do investimento em obras públicas deixou de estar centralizado no Ministério das Obras Públicas, passando a ser da responsabilidade de cada ministério, de acordo com a sua área de intervenção. Na minha opinião, a descentralização da produção de obras públicas por vários ministérios e autarquias não foi acompanhada das necessárias competências para a sua concretização, assistindo-se hoje a uma imagem negativa do setor, sem precedentes. Em 2018 foi novamente constituído o Conselho Superior de Obras Públicas, que tem como missão dar parecer obrigatório sobre os programas de investimento e projetos de grande relevância, superiores a 75 milhões de euros e que sejam aprovados pelo Conselho de Ministros, ou se solicitado diretamente pelo membro do Governo responsável pelas obras públicas. Apesar da longa evolução que o CSOP sofreu, importa referir que a sua importância foi muito mais relevante e eficaz durante o período da Monarquia e do Estado Novo, do que tem sido nas últimas décadas. Enquanto naqueles períodos as opções políticas eram mais fundamentadas nas escolhas técnicas, por reconhecerem a sua importância e o valor do conhecimento, hoje parece ser o contrário, enaltece-se o conhecimento mas as decisões políticas não gostam de ficar condicionadas pelos estudos técnicos.
A recente nomeação do Eng. Carlos Mineiro Aires, ex-bastonário da Ordem dos Engenheiros,para presidente do CSOP poderá significar o regresso a uma intervenção indispensável da apreciação técnica sobre os grandes investimentos de obras públicas, pois a incapacidade de decisão ou a contestação às opções dos grandes projetos de infraestruturas não podem continuar a ser o modelo para o futuro.