A POBREZA DOS DEBATES PARA AS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS – Os debates para as eleições autárquicas evidenciaram o gradual declínio deste tipo de iniciativas, com um modelo que não aborda de forma objetiva e transparente os problemas das autarquias. Quando comparamos os debates das primeiras duas décadas do regime democrático com as seguintes, percebemos que nos primeiros estavam em causa opções mobilizadoras, com o confronto entre a implementação de um regime democrático com respeito pela propriedade e iniciativa privada e do outro um modelo totalitário com restrição de liberdades e a estatização da economia e dos meios de comunicação social.
Para os que não viveram esse período é difícil entender que a liberdade que a Revolução de Abril devolveu ao país tivesse voltado a ser posta em causa e foi necessário um confronto político que permitisse eleições livres, afastar a tutela militar, alterar a Constituição, reverter as nacionalizações de 1975 e aderir à Comunidade Económica Europeia em 1986. Neste caminho, com grandes debates que atraíam a população e motivaram a sua participação nas eleições, estava em causa o futuro. O resultado dessas escolhas permitiu a abertura das emissões privadas de televisão, nomeadamente a SIC e a TVI. Estas opções foram contestadas pelos mesmos que ainda hoje continuam a não concordar com este modelo de sociedade e com a participação de Portugal na UE, mas que usufruem dessa liberdade e dos recursos para divulgar as opções ideológicas que conduziriam ao contrário. Até 1996 a abstenção nas eleições era reduzida, enquanto atualmente chega aos 50%.
No caso das cidades de Lisboa e Porto e das suas áreas metropolitanas, as carências habitacionais com dezenas de milhares de famílias a viver em bairros degradados, a par dos problemas de saneamento e do abastecimento de água e de energia, eram as prioridades.
NOVOS E IMPORTANTES PROBLEMAS – Quando chegamos a 2021 existem novos e importantes problemas, mas os debates focaram assuntos secundários, certamente mais mediáticos para desaparecerem na espuma dos dias, mas claramente menos mobilizadores. Os jornalistas estiveram mais interessados nesta abordagem, com destaque para os temas que envolvem alguns candidatos como arguidos, apesar de não estarem acusados ou condenados, ou trataram outros temas com superficialidade e falta de preparação para o contraditório.
As cidades enfrentam hoje alguns dos mesmos problemas do passado, como sejam o acesso à habitação a preços moderados, as acessibilidades, a resposta a diferentes riscos, mas necessitam de respostas para os novos problemas, como são o envelhecimento da população, a degradação dos edifícios, a oferta de emprego, a qualidade do ar, a mobilidade interna, a coesão territorial, o aumento do número de turistas ou a desertificação, entre outros. São estas as questões que deveriam ter sido debatidas com base num diagnóstico e com as soluções que cada programa pretende aplicar.
Os candidatos estão reféns dos eleitores que votam numa autarquia, mas os problemas das cidades e a qualidade de vida que permitem não são apenas do interesse dos habitantes, pois as cidades são também dos que nelas trabalham, prestam serviços e produzem riqueza e dos que as visitam. A importância de uma cidade também se avalia pela capacidade de atrair pessoas, e nesta perspetiva integradora as políticas para as cidades deveriam ter em conta a ponderação e o equilíbrio entre os diferentes interesses em presença, pelo que o modelo de debates, tal como foram conduzidos e respondidos pelos candidatos, não é um contributo para esclarecer os verdadeiros problemas.
Vejamos o exemplo das ciclovias em Lisboa. Estamos perante o conflito entre os que defendem este tipo de vias, geralmente habitantes/votantes, e os que se sentem prejudicados por terem menos espaço ou vias de circulação para aceder às suas lojas ou habitações e também dos que precisam de circular em trabalho. Este direito e as dificuldades geradas não podem ser ignorados, mas infelizmente são muitos os exemplos de soluções que foram impostas sem ponderação dos interesses em jogo.
O TEMA DA HABITAÇÃO – No caso das propostas de habitação a preços acessíveis, presentes em todos os debates, embora de forma superficial e pouco séria, o assunto é mais complexo. As soluções propostas não resolverão os problemas de uma cidade que tem a capacidade de criar emprego, ensino superior ou turismo, pois é crescente o número de pessoas que desejam habitar onde trabalham ou estudam. Não é a oferta das ditas habitações públicas de renda acessível que resolve esta pressão, mas conseguindo mais 10 mil pessoas a residir, fidelizam-se mais votantes agradecidos. Contudo, atrás desses felizes contemplados estarão na fila outras dezenas de milhares, uma vez que a solução para os restantes milhões de portugueses foi pedir um empréstimo e morar onde foi possível. Foi assim que Lisboa perdeu quase 300 mil habitantes desde 1980, e o Porto cerca de 100 mil. Um problema complexo desta natureza deverá ter diversas soluções.
Quando os debates abordam o tema da habitação sem explicar as razões que levaram a que os preços desta tenham atingido valores incomportáveis para a maioria esmagadora dos portugueses, estamos perante afirmações populistas e sem fundamentação. O preço da habitação atingiu estes valores porque não há terrenos disponíveis, o custo da construção é hoje mais do dobro do que era há 10 anos, os impostos aumentaram e os processos de licenciamento para produzir mais habitação são dos maiores entraves ao desenvolvimento, criando mercados protegidos.
De eleição em eleição o regime democrático vai sendo minado pelo desinteresse dos que não votam, mas também pela falta de elevação dos que participam nestes processos sem explicarem os problemas e as soluções.