ESTRATÉGIAS PARA LISBOA EM TEMPOS DE ELEIÇÕES – O período de eleições autárquicas deveria ser a oportunidade para analisar os problemas de cada concelho e os programas eleitorais deveriam conter as respostas. Infelizmente e por razões de estratégias para captar votos, as campanhas e os programas dirigem-se aos supostos eleitores ativos que são mobilizáveis por causas, por vezes menores, esquecendo os restantes que enfrentam diariamente dificuldades inaceitáveis na fase mais avançada da vida.
O desinteresse dos eleitores tem vindo a crescer eleição após eleição, manifestando-se com o aumento da abstenção que em 2017 atingiu 45% a nível nacional e 48,8% em Lisboa. Quando o direito ao voto de dezenas de milhares de residentes está limitado por uma impossibilidade de deslocação, há que pensar nas causas e nas soluções. É o caso dos mais idosos, com destaque para os inquilinos que beneficiaram do congelamento das rendas e vivem em habitações sem as mínimas condições, sem elevador, reféns do suposto benefício concedido. Não podem sair de casa, nem para votar, e talvez por isso são esquecidos.
Lisboa enfrenta há dezenas de anos a falta de habitação para compra ou arrendamento por parte de famílias de rendimentos médios, a par da degradação dos edifícios mais antigos e que foram ficando parcialmente devolutos. Em 2011, segundo os censos, cerca de 50% dos edifícios não tinham elevador e ainda existiam 3871 habitações sem uma das seguintes condições: abastecimento de água; esgotos; retrete ou banho. Tentem explicar a estas dezenas de milhares de residentes que o importante são os temas politicamente corretos que constarão dos programas, mas que ignoram a sua situação.
Problemas ignorados – Nos discursos políticos defende-se a igualdade, os direitos à habitação com rendas acessíveis, o ambiente, as ciclovias, a transição digital e um sem número de chavões politicamente corretos, mas o tipo de problemas anteriormente referidos são ignorados porque não interessam e não dão votos. Entre 1981 e 2020 Lisboa perdeu cerca de 300 mil habitantes, tendo passado de 810 mil para 509.565. A perda é quase equivalente à população de Sintra (378 mil habitantes), que é o segundo município mais populoso. A desertificação arrastou o envelhecimento da população residente, pois 28,3% dos habitantes têm mais de 65 anos, enquanto os jovens com menos de 14 anos são apenas (16,7%). O congelamento das rendas e a proteção dos inquilinos com mais de 65 anos não permitiu a conservação dos edifícios e provocou a sua degradação e o aumento de devolutos. Mas não tem que ser assim, pois no passado e perante outras dificuldades de acesso à habitação condigna foram definidas políticas e programas que permitiram resolver esses problemas. Entre 1987 e 1999 o elevado número de bairros de barracas foi praticamente eliminado através de programas municipais e públicos, e por isso hoje vivem mais de 90 mil habitantes nos bairros municipais, por onde certamente passam as campanhas eleitorais. Mas depois da Expo 98 e da requalificação daquela zona oriental da cidade pouco há de relevante a acrescentar para responder à dificuldade do acesso à habitação e para realojamento dos que vivem em habitações degradadas. A contradição reside no facto de quanto mais atraente for a cidade, mais elevados serão os preços, por falta de oferta.
Estratégias e ações – Na minha opinião, a prioridade deveria ser focada em estratégias e ações que permitissem:
- Promover a construção de dezenas de milhares de habitações, para venda e arrendamento, destinadas a famílias com rendimentos médios.
Quando a oferta é escassa os preços aumentam, mas Lisboa tem uma reserva elevada de terrenos que permitiriam novas construções. A descontinuidade do tecido urbano da zona oriental entre Santa Apolónia, Chelas e a urbanização da Expo, por exemplo, justificaria um plano para integrar a cidade desagregada. Os terrenos da Câmara deveriam ser utilizados para promover a construção de habitação com rendas compatíveis com os rendimentos médios e financiar o apoio de renda aos inquilinos que pretendam arrendar habitações privadas;
- Simplificar o sistema de licenciamento, complexo e que condiciona o investimento.
Se as dificuldades em obter um licenciamento são elevadas e os terrenos não estão disponíveis, o custo de produção de habitação é também muito elevado por ausência de concorrência. O sistema de licenciamento terá que fazer parte da política de habitação e sem uma profunda simplificação não é possível resolver o acesso à habitação;
- Reabilitar os edifícios devolutos, ou parcialmente, com realojamento dos inquilinos que vivem em habitações em péssimo estado, com rendas congeladas.
Há milhares de idosos em habitações degradadas, sem elevador. Deveria ser uma prioridade promover a construção de habitação para esses inquilinos com mais de 65 anos e com rendas de contratos anteriores ao NRAU, negociando contrapartidas com os proprietários dos imóveis, para assegurarem a sua reabilitação e voltarem de novo ao mercado em vez de se esperar que os inquilinos morram, o que é no mínimo trágico como política habitacional. Se a ambição não se focar na resolução dos verdadeiros problemas, Lisboa continuará em perda para outros municípios que têm políticas com visão e estratégias coerentes e pragmáticas e menos reféns de ideologias que promovem alguns grupos, mas que esquecem os que mais precisam de apoio e, no final, a abstenção definirá o interesse dos residentes pelos temas eleitorais e a qualidade do sistema democrático.