A AMBIÇÃO DA NEUTRALIDADE CARBÓNICA E A NEUTRALIDADE DOS CUSTOS – Quando um país com as dificuldades de Portugal se posiciona na linha da frente, com uma ambição maior do que a enunciada por muitos países mais ricos e muito mais poluentes, é inevitável perguntar se não estaremos a querer dar um passo maior do que a perna.
A Comissão Europeia aprovou o Pacto Ecológico Europeu em Dezembro de 2019, com a nova estratégia de crescimento da UE que tem como objetivo “conduzir a Europa para um processo de transformação com impacto neutro no clima e dotada de uma economia moderna, eficiente em termos de recursos e competitiva”. O Conselho Europeu reafirmou “o compromisso da UE de desempenhar um papel de liderança no combate mundial às alterações climáticas, com o objetivo de alcançar a neutralidade climática até 2050, em consonância com os compromissos assumidos pela UE a nível internacional no âmbito do Acordo de Paris”. Nesse alinhamento, o Governo português aprovou o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 e comprometeu-se internacionalmente com o objetivo de reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa para que o balanço entre as emissões e as remoções da atmosfera, por exemplo, através da floresta, seja nulo em 2050, o que se designou por “neutralidade carbónica”, posicionando-se na linha da frente dos países que pretendem liderar o combate às alterações climáticas. Ora, o mais difícil não é enunciar o objetivo e as estratégias, mas concretizar os meios para o atingir, ponderando as consequências associadas às alternativas, as quais devem ser técnica e economicamente viáveis e aceites socialmente.
A ambição é desejável, mas quando um país com as dificuldades de Portugal se posiciona na linha da frente, com uma ambição maior do que a enunciada por muitos países mais ricos e muito mais poluentes, é inevitável perguntar se não estaremos a querer dar um passo maior do que a perna. É uma meta muito ambiciosa que obriga à transformação da sociedade, dos meios produtivos e muito investimento.
OBJETIVOS E ESTRATÉGIAS – Na minha opinião, a questão encerra duas visões, (i) a política, com a enunciação de objetivos e estratégias politicamente corretas e que todos desejamos e (ii) a visão pragmática, de como se pode transformar a sociedade e as empresas para que tal aconteça, sem consequências que venham a prejudicar gravemente as condições de vida da população. Os objetivos e as medidas devem ser ponderados pelas estratégias de competitividade entre os países da União Europeia, e da Europa face aos outros países à escala mundial. Está em causa a criação de riqueza e sua distribuição, a criação de emprego e melhor remunerado e, no final, a melhoria das condições de vida das populações. É evidente que é no “como fazer” que os problemas se colocam, e a UE já deu provas de estratégias e objetivos que foram utópicos, embora desejáveis na formulação, e que acabaram por não se concretizar. Apesar de continuar a ser a zona do globo com maior rendimento per capita, melhor proteção social e qualidade de vida, tem vindo a perder essas vantagens durante os últimos 25 anos, quando se começou a registar a redução de muitos dos indicadores competitivos com os EUA, nomeadamente o crescimento do PIB, do emprego e o desenvolvimento tecnológico.
A Reforma de Bolonha, aprovada em 1999, foi a primeira estratégia alinhada com o objetivo de inverter essa tendência, a que se seguiu a Estratégia de Lisboa, que enunciava o objetivo da UE para 2010, de “ter a economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo e com maior capacidade para atrair jovens”. Em 2005 esse objetivo ficou condicionado pelo equilíbrio das contas públicas e em 2010 não tinha sido atingido qualquer dos objetivos. Gradualmente, a UE tem vindo a perder relevância política a nível mundial, crescimento reduzido face a outras regiões, desemprego crescente entre os mais jovens e aumento das assimetrias que têm vindo a alimentar o descontentamento manifestado nas votações nos partidos de extrema-esquerda e de extrema-direita. A saída do Reino Unido da UE e os maus resultados do plano de vacinação contra a Covid, em comparação com o ex-membro e com os EUA, são a visão mais recente da incapacidade da UE em concretizar bons objetivos, a partir de estratégias que são excelentes nas apresentações mas desligadas da realidade.
NEUTRALIDADE DE CUSTOS – As políticas e a estratégia para a neutralidade carbónica não são neutras e devem ter em conta duas questões essenciais: (1) o comportamento e alinhamento dos principais países que contribuem para as emissões de CO2 à escala global e (2) as medidas para a neutralidade de custos, nomeadamente os regulamentos e as regras europeias e nacionais que geram elevados custos operacionais. Este último equilíbrio é particularmente relevante para Portugal, atendendo à sua elevadíssima dívida externa, despesa pública e outros condicionamentos dos fatores produtivos. Sendo o rendimento per capita 79,2% da média dos países da UE, o esforço será muito maior do que o exigido a outros países. A Comissão Europeia, através de uma imensa organização burocrática, especializou-se em criar diretivas, regulamentos e um sem-número de exigências que promovem emprego para controlar as mesmas, mas dificultam a produção dos bens transacionáveis, passando a ter que importar cada vez mais produtos produzidos em zonas do mundo em que essas regras não são respeitadas, mas vão produzindo valor, emprego e capacidade financeira. A discussão que se coloca é se deve haver ou não restrição à aquisição desses bens quando a sua produção não respeite as regras vigentes na UE, pois caso se mantenha a importação sem as devidas restrições, as políticas públicas encerram uma dose elevada de hipocrisia, ou seja, não se produz na Europa mas podemos consumir o que se produz com violação dessas regras.
Neste contexto, a reciprocidade à escala mundial é fundamental, mas parece que a UE se esquece que a China, os EUA, a Índia, a Rússia e o Japão são responsáveis por 60% das emissões de CO2 e 18 países são responsáveis por 80% das emissões. Os países da UE são responsáveis por 8,3%, enquanto Portugal é responsável por apenas 0,14%. Querer salvar o planeta, quando o impacto dos países da UE tem este peso e não existe qualquer garantia de que os países mais poluidores assumam semelhante estratégia não parece ser razoável, e no caso de Portugal ainda menos, caso as consequências das transformações exigidas agravem as condições de vida da população.
PRIMAZIA DOS INTERESSES NACIONAIS – Enquanto a UE apresenta a sua estratégia, assistimos à implementação de estratégias noutros países exteriores à UE que colocam em primeiro lugar os interesses nacionais, nomeadamente, (i) países que abandonaram os acordos firmados, (ii) países grandes emissores de CO2 que não se comprometem com os objetivos do Acordo de Paris e que continuam a construir centrais a carvão e nucleares. Segundo o secretário-geral da Nações Unidas, decorridos cinco anos sobre o Acordo de Paris, os objetivos correm o risco de serem inalcançáveis. Portugal, apesar de não ter expressão nas emissões de CO2, encerrou a central a carvão de Sines, mas continua a importar energia produzida por esse tipo de centrais, agravando a balança de transações com o exterior. Neste tipo de políticas, Portugal tem estado na linha da frente, mesmo sem recursos para tal, mas como consequência tem registado o crescimento da fatura energética, seja através das rendas excessivas para viabilizar as energias renováveis sem ponderação dos custos que todos temos suportado com preços administrativos. Portugal é o 5.º país da UE com a energia elétrica mais cara, ajustada à paridade do poder de compra.
Para as famílias, as contas são simples de perceber. Se tomarmos como referência a fatura de eletricidade de um apartamento T1, verificamos que entre 2002 e 2021 o custo aumentou cerca de 50%, para além do aumento da energia consumida, resultado do aumento de impostos e dos custos de interesse económico geral, que suportam as referidas opções políticas.
Estar na linha da frente para ficarmos cada vez mais pobres não é um bom motivo para cortar a meta.