MODELO DE DESENVOLVIMENTO – A qualidade do regime democrático pode avaliar-se pela forma como os modelos políticos, económicos e sociais respondem às necessidades da população, promovendo o seu bem-estar e assegurando o futuro, mas também através da cultura e do respeito que as instituições e as pessoas têm pelas regras da democracia. A eleição do Presidente da República é sempre um marco do regime democrático que nos leva a rever o percurso e os resultados obtidos durante os últimos 45 anos. Escolhi três indicadores para retratar a evolução: (i) o número de eleitores e a abstenção; (ii) a evolução dos rendimentos e a convergência para a média dos países da UE e (iii) os temas em debate nas campanhas eleitorais. Na minha opinião há dois períodos claros neste percurso, o que terminou no final do século passado, com as opções políticas que permitiram uma significativa melhoria da qualidade de vida e aumento dos rendimentos com controlo da dívida pública, e os últimos 20 anos, que são uma inversão desse trajeto, apesar de algumas exceções que podem ser exemplos do caminho a seguir. Desde 1976 realizaram-se nove eleições presidenciais (à data em que escrevo este texto ainda não se realizou a eleição de 24 de janeiro) com a reeleição de todos os Presidentes, o que configura a opção dos eleitores pela estabilidade. Apenas em 1986 houve uma 2.ª volta, por nenhum dos candidatos ter obtido a maioria absoluta na 1.ª volta.
O aumento da abstenção, que já se situa próximo dos 50%, parece evidenciar o afastamento dos eleitores dos atos eleitorais, que são o pilar da democracia. Sem motivação, o regime vai seguindo sem mobilizar, o que não é positivo perante os enormes desafios que enfrentamos. Contudo, o acréscimo da abstenção está também relacionado com o crescente número de inscritos, que aumentou 3,3 milhões entre 1976 e 2016, apesar da população residente apenas ter aumentado cerca de 1 milhão no mesmo período.
Aproximação à Europa – Na primeira década do regime democrático estavam em discussão modelos políticos, ideológicos e de desenvolvimento profundamente divergentes, entre os que defendiam os valores da democracia, a liberdade e a economia de mercado, tendo como referência a Europa, e os que queriam implementar a estatização da economia, com a nacionalização da Banca, das principais empresas e a limitação da liberdade. A escolha da primeira opção foi clara, com os votos contra do PCP e dos Verdes, e a partir de 1986, Portugal entrou para a Comunidade Económica Europeia, que à data ficou constituída por 12 países. Curiosamente, a eleição com a maior participação foi nesse ano, com 5.937.100 votantes, com a 2.ª abstenção mais baixa neste tipo de eleições (22%), ou seja, o povo mobilizou-se para manifestar o seu inequívoco apoio. Os 15 anos seguintes foram de convergência com os países da UE, com o apoio dos fundos comunitários que contribuíram para se chegar ao fim do século com um país mais desenvolvido e com melhor qualidade de vida.
A meta seguinte foi a entrada no euro e a perceção de que, com a moeda única, os juros seriam também europeus, com taxas reduzidas. Só que o dinheiro fácil contribui para o endividamento, também induzido pela Comissão Europeia até chegarmos a 2005. Na primavera desse ano o Conselho Europeu decidiu relançar o objetivo do Crescimento e do Emprego, procurando promover a competitividade, a coesão e o desenvolvimento sustentável, através da solidez das contas públicas, ou seja, convergência sim, mas não a qualquer preço. Seguiu-se a crise imobiliária e financeira de 2009, o pedido de ajuda externa em abril de 2011 e a pandemia em 2020.
Fatores de empobrecimento – A soma destas dificuldades, em grande parte da responsabilidade dos governos, traduziu-se no empobrecimento geral da população e no afastamento da convergência. Há assim dois países, o que se mobilizou até ao final do século XX e o que começou a empobrecer desde então, aumentando a dívida pública e privada. A dívida pública líquida de depósitos passou de 61.232 milhões de euros em 2000, para 171.586 milhões de euros em 2010 e atingiu o máximo de 244.679 milhões de euros em dezembro de 2020, enquanto o rácio da dívida sobre o PIP, passou de 54,2% em 2000 para 135% em 2020 (estimativa). No que se refere ao PIP per capita, em paridade do poder de compra, Portugal convergiu à taxa média anual de 1% até final do século XX, passando de 55,1% em 1986 para 64,5% em 2000 (considerando apenas 14 países). Nos últimos 20 anos o PIP per capita aumentou pouco mais de 8%, com metade da taxa de crescimento. Com a ampliação da UE para 28 países a posição relativa de Portugal aumentou, dado os baixos rendimentos dos países do Leste da Europa, mas desde 2000 tem vindo a reduzir a convergência, tendo já sido ultrapassado por cinco países, o que justifica, de novo, analisar o modelo de desenvolvimento e os erros cometidos, com a humildade de não os repetir, mesmo que embrulhados com novos papéis e agentes políticos.
Perante esta grave situação, o debate político para as presidenciais deveria justificar a abordagem dos temas mais relevantes, em que a clarificação do modelo de desenvolvimento, a estratégia e o planeamento estável das opções a médio prazo fossem centrais na discussão, mesmo sabendo que não compete ao Presidente governar, mas nas eleições do século passado foram muitas dessas opções que estiveram em jogo e mobilizaram os eleitores. Infelizmente, assistimos a debates redutores, com temas isolados focados nos acontecimentos do dia, ligados a casos pessoais, próprios das redes sociais, e com mentiras, a ponto de ser necessário a comunicação social intervir para verificar a veracidade das afirmações dos candidatos, para além das ofensas pessoais inaceitáveis por parte de alguns candidatos que pretendem assumir o mais alto cargo da nação.
Democracia sem rumo – Apetece dizer, a que ponto chegámos. Se em 1976 ou 1981 tudo era novidade, pois o que estava em causa era muito importante para o futuro, e por isso ficaram célebres alguns desses debates, ideológicos, com conteúdo, opções claras, e o povo escolheu, parece que agora estamos perante uma democracia sem rumo, mais preocupada com a gestão diária e com frases e opções que pretendem voltar ao passado em vez de se clarificar o que se pretende para o futuro. O mundo globalizado está em acelerada mudança. Entrámos na CEE primeiro que os restantes 16 países da UE, mas nos últimos anos temos sido gradualmente ultrapassados. Temos a 3.ª dívida mais elevada da UE e as consequências da pandemia vieram agravar o que já era um grave problema, já se admitindo que os fundos europeus de apoio, a chamada “bazuca”, não sejam suficientes, o que levará a mais endividamento.
É urgente discutir e fazer opções por um modelo de desenvolvimento que olhe para o futuro aprendendo com os erros do passado e com o pragmatismo que conduza aos resultados e à ambição a que todos temos direito.