LIDERANÇA COMPROMETIDA – Os Perigos que nos Espreitam. Antes do Covid-19 corríamos, sem tempo, ignorando e desvalorizando as coisas simples da vida. De repente, com todo o tempo e limitados a um espaço de reclusão, descobrimos a importância crescente da família, dos amigos, dos afetos e da solidariedade, a par dos colegas de trabalho, que fazendo parte do nosso dia a dia, não pareciam ser tão importantes como na realidade são. A garrafa com o líquido da vida das nossas expectativas está agora muito menos do que meia, mas mais importante do que o líquido são as pessoas com quem o partilhamos, o ambiente e o estado de espírito que permite festejar com pouco, mas de forma positiva. Descobrimos a essência das coisas verdadeiramente importantes e simples, a par das que não sendo possível de usufruir passaram a ser um desejo maior. A racionalização foi positiva e seria desejável que se mantivesse depois de obtida a liberdade. Mas, a par do reencontro com o que é importante, a nova realidade tem afetado as pessoas de forma muito diferente, com acentuados contrastes, desde os que perderam o rendimento para assegurar a sobrevivência, até ao isolamento, ainda maior, dos mais idosos. Há quem se sinta feliz em aldeias quase desabitadas, nas quais descobriram o paraíso, como há famílias em desespero, pois estão a viver 4/5 pessoas em pequenos apartamentos, tendo que assegurar as atividades básicas domésticas, ensinar os filhos e trabalhar online sem horário, ou seja, sempre que necessário.
Todos postos à prova – Fomos todos postos à prova, sujeitos a opções políticas por vezes discutíveis e até incompreensíveis, recebemos muita informação e contra-informação, pois o tema monopolizou a comunicação e as redes sociais, e sentimos o que é o perigo da lavagem ao cérebro e da manipulação. Foi o medo transmitido pelas imagens do que se passava nos hospitais de Itália e de Espanha que nos levou a ficar em casa mesmo antes da declaração do estado de emergência, em 19 de março. Tal como a necessidade de voltar à outra vida fará as pessoas regressar às ruas e à atividade mesmo antes das decisões políticas o promoverem, pois a sua credibilidade também foi posta em causa pela falta de coerência de diversas medidas. Ainda nos lembramos dos avisos para não se utilizarem máscaras, até à sua imposição pelas mesmas entidades, ou autorizações para satisfazer opções ideológicas que também deveriam ter ficado confinadas. Em pouco tempo tivemos uma mudança tão completa das nossas perceções, que há cada vez mais pessoas a querer regressar ao trabalho, e esta valorização da vida profissional, com tudo que encerra no modelo que tínhamos em curso, deverá ser uma das questões mais importantes a debater.
O medo das consequências – De um modo geral repartimos o nosso tempo por três compartimentos, a família e as suas atividades, o trabalho e o lazer, incluindo os amigos. Se numa primeira fase da quarentena ficámos com medo e anestesiados, sentindo a casa como o local seguro, com o passar dos dias muitas famílias passaram a sentir dificuldades acrescidas e ansiedade sobre a incerteza do futuro. Passámos do medo do vírus para o medo das consequências económicas, das falências e do que nos pode suceder, pois nada está garantido, tudo parece incerto. Nesta perspetiva e quando era preciso fazer chegar liquidez às pessoas e às empresas em dificuldade, dando esperança justificável pelo estado de emergência, o que foi assumido por alguns países, o comportamento da UE não deixou dúvidas sobre a dificuldade de se tomarem decisões, demonstrando como a sua conhecida burocracia continua a ditar regras, com confrontos que não permitem a unanimidade, mesmo no estado a que chegámos com consequências imprevisíveis. Mas não são apenas as consequências do grave aumento do nosso endividamento que nos deve preocupar, pois também o teletrabalho, que nos parecia uma vantagem durante a reclusão, poderá no futuro ser um motivo de exclusão. O sucesso do teletrabalho poderá constituir um verdadeiro risco acrescido no futuro, caso as empresas optem por manter muitos dos colaboradores nesse regime, ou em períodos alternados. As vantagens para as empresas são significativas, pois necessitarão de menos área para os serviços, menores consumos, energia e limpeza e em contrapartida a produtividade mantém-se, com a vantagem dos colaboradores terem um período de trabalho muito mais amplo. Por outro lado, a necessidade de vender com as lojas encerradas, potenciou e acelerou as vendas online, e em poucos meses as empresas aderiram e implementaram o que deveria demorar muito tempo. Podemos comprar quase tudo com a comodidade de escolher na net e receber em casa.
Vida no local da residência – Na minha opinião, o que pode ser visto como uma enorme vantagem, encerra ou limita os compartimentos que nos ajudam a ter um mundo mais amplo e diversificado, podendo a vida ficar limitada ao local da residência. Dois meses de experiência demonstraram que (i) é possível trabalhar em casa e ser produtivo, (ii) não perder tempo e despesa com transportes, (iii) ter mais tempo para a família e lazer, (iv) receber em casa o que queremos comprar. Mas também evidenciou que necessitamos de partilhar o trabalho com a presença física dos colegas, que precisamos de ver pessoas, fazer parte de uma equipa que está no mesmo estádio e de ir aos estabelecimentos comerciais. Percebemos que a vida tem mais encanto se diversificada, que a ambição de se ter uma vida melhor levou milhões de pessoas a sair das suas aldeias com destino às cidades na procura de oportunidades que de outra forma não iriam ter às suas casas, como sucede com as compras. Percebemos que isolados somos apenas um número numa porta, ou de um telemóvel, mais descartáveis e mais desconhecidos porque parecemos virtuais. Percebemos que há coisas que não queremos perder, o prazer de um bom almoço com amigos, assistir a um jogo num estádio ou a um concerto com gente ao vivo à distância de uma mão, para além da praia e de muitos outros interesses. Afinal a liberdade continua a ser um bem superior que não se deve restringir por muito tempo e muito menos com medidas de controlo das pessoas, que começam por ser por razões de segurança para acabarem no controlo do que cada um faz, como se fosse apenas um número do smartphone.