O PATRIMÓNIO E AS FUNÇÕES DO ESTADO
Numa época em que se quantificam os bens do Estado, o património público edificado é um enorme ativo que justifica uma política própria para o valorizar, racionalizar e reduzir as despesas de funcionamento, de conservação e com os arrendamentos. Para exercer as funções do Estado são necessários edifícios públicos com a dignidade e a funcionalidade adequadas à especificidade dos serviços. A dimensão e a qualidade do património público construído em diferentes períodos e que se manteve até aos nossos dias demonstram que tal foi possível porque existiram políticas orientadas para a sua conceção, construção, utilização e conservação, com o objetivo de satisfazer as mais nobres funções do Estado. Infelizmente, nas últimas décadas, assistimos a políticas patrimoniais erráticas e a um elevado grau de autonomia dos decisores, o que permitiu todo o tipo de opções e investimentos sem avaliação da relação custo-benefício. Muitos edifícios públicos que justificavam ser reabilitados foram abandonados, o que agravou a sua degradação, provocando a indignação dos cidadãos por perceberem que o valor daquele património foi depreciado por falta de gestão e de cuidado. Em contrapartida, investiram-se milhares de milhões de euros em edifícios novos que se mostraram desadequados para os fins a que se destinavam, sem a dignidade devida às funções do Estado e sem a funcionalidade e as condições de trabalho exigidas por quem os utiliza. Os decisores públicos deram total autonomia aos projetistas, demitindo-se das suas responsabilidades na definição dos programas e no controlo das opções dos projetos. Os custos de construção não foram controlados e os custos com a utilização e conservação não foram tidos em conta. Promoveu-se a ditadura da estética menosprezando outros valores não menos importantes, e hoje confrontamo-nos com o envelhecimento precoce de edifícios recentes. Noutros casos, após muitos milhões de euros gastos para promover a suposta eficiência energética, os sistemas foram desligados porque a despesa com o consumo de energia aumentou de forma insustentável. Os donos de obra que ainda persistem na reabilitação são quase forçados a aplicar aos edifícios existentes as disposições legais e regulamentares posteriores à sua construção, violando princípios do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (DL 307/2007), designadamente o da proteção do existente e o da justa ponderação, entre outros. A par desta realidade, o Estado alienou centenas de edifícios públicos para reduzir o défice, mas aumentou a despesa permanente ao arrendar edifícios privados para instalar serviços. Ao fim de 15 anos de rendas os edifícios privados estão pagos, mas os serviços públicos terão que continuar a pagar rendas atualizadas anualmente para continuarem a utilizar o espaço. Temos um verdadeiro laboratório de experiências para todos os gostos, à custa da despesa pública. No Ministério da Justiça, temos vindo a inverter estas políticas, adquirindo e requalificando edifícios públicos, reduzindo a despesa com as obras em curso, reanalisando as opções dos projetos e rescindindo contratos de arrendamento. São opções que contrariam as práticas desenvolvidas no passado e que justificam uma ampla reflexão sobre as políticas patrimoniais mais adequadas e a estratégia para garantir a sua consolidação ao longo do tempo.